A pobreza extrema é 100%, mas não é tudo
Luciano Siqueira
O anúncio da presidenta Dilma de que dará prioridade ao combate à miséria não é em si errado. Antes soa positivo e sublinha o compromisso social da gestão que se inicia. Entretanto, pode dar margem a interpretações incorretas, na medida em que se entenda nesse propósito um retorno ao “tudo pelo social” e coisas do gênero.
Por que entender assim é errado? Porque focar a ação de governo no combate à pobreza colide com a necessária universalização das políticas públicas destinadas a melhorar o padrão de vida da população – que, por seu turno, depende do desenvolvimento econômico em bases sustentáveis e socialmente inclusivas.
O PT, tempos atrás, cometia esse equívoco. Lembro-me de uma breve reunião com o Lula (pouco antes de enfrentar a batalha eleitoral que lhe deu a presidência) e o então deputado José Dirceu, no auditório da prefeitura do Recife, em que ambos acentuaram a centralidade da questão nacional numa perspectiva de tirar o País do atraso e divisar novos horizontes pós duas décadas e meia perdidas. Então vice-prefeito, tão logo terminou a reunião, apressei-me em comentar com ambos, Lula e Dirceu, o que me parecia uma posição justa e avançada por eles assumida, concorde com o pensamento do meu partido, o PCdoB.
Dilma mesmo, em seu discurso de posse, fez referências precisas à necessidade de nos costurarmos com nossas próprias linhas no atual ambiente internacional conturbado por uma crise sistêmica persistente. Isso quer dizer manter e elevar o padrão de crescimento econômico com apoio de nossas próprias potencialidades.
Esse, sim, é o verdadeiro caminho de combate à pobreza, mormente se o crescimento se der com distribuição de renda, garantia de direitos e robustecimento da massa salarial. Os programas sociais voltados para o atendimento à população indigente encontram aí a possibilidade de construir portas de saída, essas muito mais importantes do que as portas de entrada.
Está mais do que provado que é impossível melhorar os indicadores sociais à margem do desenvolvimento econômico. Uma coisa não guarda com a outra relação mecanicista de causa e efeito, é claro. Mas uma depende da outra, literalmente. Ou o Nordeste da “era Lula” não demonstra, ao crescer a taxas mais elevadas do que o restante do País a base de uma formidável expansão do consumo popular?
De outra parte, nunca é demais acentuar que a questão nacional – o dever da soberania – é o pano de fundo da necessária ruptura com os pressupostos macroeconômicos vigentes. Superar a sobrevalorização do câmbio, por exemplo, certamente não agradará nossos parceiros internacionais. Mas eles são parceiros, apenas; importa muito mais o interesse do povo brasileiro, do qual parcela substancial ainda sobrevive sob condições de pobreza extrema.
Donde é possível concluir, ao estilo cult de Falcão, que pobreza é 100%, mas não é tudo.
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