Trabalho infantil no lado oposto da inclusão
Luciano Siqueira
Publicado no Blog de Jamildo (Jornal do Commercio Online)
De plantão na emergência de hospital público pode-se falar tudo, menos de rotina. Pelo menos pelos hospitais por onde andei desde ainda estudante, passando pela residência médica. Tem de tudo. Inclusive dolorosos episódios envolvendo crianças acidentadas no trabalho.
Nunca me esqueço de uma garota que atendi na emergência do Hospital João Murilo, em Vitória de Santo Antão, que aguentou a sutura a cru – porque o anestésico já não funcionava devido ao tempo da lesão – de um tendão de uma das mãos, que cortara no eito da cana. Uma lagrima sequer, apesar da dor, tal a sua intimidade com as condições adversas de existência.
Agora se divulgam novos números acerca de acidentes de trabalho envolvendo crianças e adolescentes – em contraponto à expressiva ampliação da inclusão de cerca de 30 milhões de brasileiros ao sistema produtivo, desde os dois governos sucessivos de Lula. Ou seja, esse mal revoltante – o trabalho infantil – está longe de ser erradicado em nosso país.
A Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho (Fundacentro) tem se ocupado do assunto. E mesmo constatando subnotificação em nossa rede de saúde, anota dados preocupantes: em média três menores de até 17 anos se acidentaram por dia trabalhando no Brasil nos últimos dois anos e meio; 37 morreram no trabalho.
São diversas as situações e os agravos à saúde registrados, que vão do distúrbio osteomuscular (DORT) por esforço repetitivo à mutilação parcial. Muitos casos se dão devido à exposição indevida a agentes químicos, que comprometem irreversivelmente a saúde e encurta a sobrevida.
O PETI (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil), que realiza um conjunto de ações visando à retirada de crianças e adolescentes de até 16 anos das práticas de trabalho infantil, exceto na condição de aprendiz a partir de 14 anos, tem se ampliado e melhorado de desempenho, mas alcança cobertura ainda limitada – pouco mais de mais de 820 mil crianças afastadas do trabalho em cerca de 3,5 mil municípios. Tem sentido assistencial e procura remediar o problema, muito pouco o previne.
A prevenção só é possível com a elevação do patamar de desenvolvimento econômico em moldes que distribuam renda e valorizem o trabalho. Isto porque em geral as crianças vão precocemente à labuta, ao invés de frequentarem a escola, justamente pela necessidade de reforçar a renda de famílias submetidas à condição de extrema pobreza.
Bem que os senhores todo-poderosos que se reúnem no Copom (Conselho de Política Monetária do Banco Central) pensassem nisso quando arbitram o valor da taxa básica de juros, a Selic, compreendendo que a sua redução contribui para o incremento da produção e do emprego – e, em grande medida, para a diminuição do trabalho infantil.
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