O prazer do manuscrito
Luciano Siqueira
Publicado no portal Vermelho http://www.vermelho.org.br/ em janeiro de 2008
Volto a escrever à mão, sempre que me é possível. Uma espécie de retorno às origens. Desde garoto, alimento o hábito de botar no papel quase tudo o que penso. Fichas de leituras e pequenas resenhas. Antes, em cartões pautados; os textos mais longos em cadernos. Com o advento do computador, digito ao invés de escrever. Muito mais prático: apago e refaço trechos inteiros facilmente, e ainda me beneficio do corretor ortográfico. Quando percebo que escrevi bobagens, deleto imediatamente e me livro para sempre do equívoco.
O computador ajuda e atrapalha. Permite escrever rápido, mas precipita o raciocínio e limita a abordagem do tema. A pressa é o cotidiano convite à superficialidade.
Escrever à mão é diferente. As idéias fluem na mesma velocidade da escrita: naturalmente. Há tempo para ler o que escrevo e refletir sobre o que virá a seguir.
Bem sei que minha escrita é sofrível, apenas libero as palavras – parto natural, sem dor nem demora. Escrevo por necessidade e prazer, mas não por dever irrecusável. Então não tenho porque brigar com as palavras, com elas tenho um pacto de convivência pacífica. Sem estilo nem brilho.
Minha relação com as palavras é de puro amor. Passeamos de mãos dadas, em terra plana, sem armadilhas. Desavenças ficam para quem tem talento e pretensões literárias. Quase sempre quero apenas dizer o que penso e o que sinto. Nada mais que isso, e quase tudo para mim mesmo – um diálogo solitário, secreto e cúmplice. O resto ponho nas colunas que assino semanalmente em alguns sites.
São dois ambientes, dois estágios: a cadernetinha de notas curtas, o caderno para divagações; e o computador para os registros definitivos. A mão e a máquina. A máquina guiada pela mão, que traduz a idéia e o sentimento, a descoberta e o desejo.
Aqui no Vermelho tudo vale a pena. Uma divagação como essa, coisa de fim de ano; ou uma opinião sobre o que acontece ou se deseja que aconteça na vida nacional ou na província. O texto curto, quase um artigo ou um arremedo de crônica, depende do tema e do momento. É a liberdade concedida pelo editor. Em outros sites onde escrevo regularmente sinto-me preso à obrigação de falar invariavelmente de grandes problemas e desejáveis soluções. Nem sempre em tom ameno. Anteontem mesmo escrevi sobre a importância estratégica dos 38 institutos federais de educação, ciência e tecnologia objeto de lei sancionada pelo presidente, segunda-feira. Ontem tratei da omissão do controle do fluxo de capitais no discurso de Lula em cadeia de rádio e TV.
Mas voltando ao gosto pelo manuscrito, dou-me conta de que essa boba confidência de Ano Novo contém em si a obrigação de escrever um pouco melhor. Para merecer a atenção dos meus leitores, que bem sei não são tão numerosos.
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