Luciano Siqueira
Publicado no Blog da Revista Algomais
Em São Paulo, um jovem de 18 anos atira em alunos, professores e funcionários de uma escola e depois se mata. Um médico é acusado de esquartejar a namorada. As duas notícias, destaques no noticiário dos jornais, TV e rádio de todo o País, reforçaram, na última terça feira, o cotidiano de sangue, dor e tragédia que fazem parte do nosso universo urbano.
Muitos fatores concorrem para o incremento da violência em nossas cidades, dentre os quais o desemprego e o achatamento da massa salarial, a baixa escolaridade, a impunidade, a falência das instituições encarregadas da segurança, o distanciamento (crescente) do Estado em relação à maioria da população.
Ganha força, na atualidade, um outro fator: a violência-mercadoria.
Não se trata apenas da indústria de armamentos, nem da rede privada de empresas de segurança, que se agigantam e ostentam faturamentos altíssimos. Trata-se sobretudo da mídia eletrônica. Na grade de programação das redes de TV e das emissoras de rádio, programas e filmes centrados na temática da violência ocupam os espaços ditos nobres, detentores dos mais elevados índices de audiência - promovendo o que o sociólogo Laurindo Leal Filho (da USP e da Ong "Tver") denomina de "espetacularização da notícia".
O tema, via de regra, além do tom sensacionalista, recebe abordagem muito nociva, seja pela banalização da vida, seja pela exaltação de personagens (resguardados pela condição de autoridade constituída ou não) que se destacam pela prática da violência através de meios cada vez mais sofisticados e de grande poder destrutivo. Cultuam-se conceitos e valores que ferem os Direitos Humanos e, na prática, "justificam" o emprego da violência como forma de manutenção da ordem vigente ou da realização de interesses pessoais escusos.
Tal programação eleva os índices de audiência das emissoras e proporciona que os anúncios veiculados naqueles horários sejam negociados a preços altíssimos. As empresas anunciantes, por seu turno, obtêm grandes resultados em suas vendas.
Tinha razão Karl Marx ao demonstrar (no volume 1 de "O Capital") que no capitalismo tudo se converte em mercadoria, "uma coisa que, por suas propriedades, satisfaz necessidades humanas, seja qual for a sua natureza, a origem delas, provenham do estômago ou da fantasia."
Daí se entender por que a mídia transforma gente como o jovem suicida e o médico assassino em produtos rentáveis.
(Este artigo, de 2003, republico-o agora por oportuno: nem os dias de carnaval nos livraram dos mórbidos programas policiais na TV).
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