A Copa e a bandeira do Brasil
Walter Sorrentino, no Vermelho
A última manifestação
“contra a Copa” em São Paulo reuniu um punhado de manifestantes e nela foi
queimada uma bandeira do Brasil, exasperação para o apelo midiático.
É uma
coisa de qualidade nova. Mais que o complexo de vira-lata e mais que o senso de
desprezo nacional por parte de uma camada restrita da alta classe, esse
pretenso movimento social incitou ao ódio nacional. Um caroço novo que se
incute na sociedade brasileira, normalmente não afeita a isso, e muito presente
em outros rincões, alavancando a direita extremada a capitalizar politicamente.
A que serve e a quem serve essa iniciativa? Não se deve considerar ser ingenuidade ou simples primarismo o que motivou a iniciativa – não pelo que vemos nessa manifestação, que acaba conspurcando até os movimentos sociais que, certos ou errados, reclamam contra a Copa para alcançar reivindicações sinceras. E a esta altura da luta, na atual correlação de forças no mundo e no Brasil, não se deve imaginar que isso foi espontâneo, não mesmo.
Queimar bandeiras se tornou um marco de protesto contra o imperialismo, contra os atentados, golpes e guerras promovidos, sobretudo, pelos EUA em todo o mundo. Ainda hoje isso vige, contra as guerras “humanitárias” promovidas pelo presidente Nobel da Paz (!), enquanto os mais de 1 milhão de soldados que fizeram a guerra, desde o Vietnã, ditos “heróis da pátria” são verdadeiros párias sociais ao retornarem mutilados e portadores de doenças mentais. É conhecido o escândalo dos veteranos de guerra abandonados nos cuidados à saúde que tem lugar hoje nos EUA.
Nada a ver com situação brasileira, muito menos com a Copa. O que ocorreu em São Paulo desserve à causa popular. Claramente, leva água para um moinho que não é o do povo brasileiro, de seus interesses imediatos e fundamentais. Não vai nessa condenação nenhum nacionalismo, embora sim o patriotismo (que é o caso de invocar quanto à Copa e quanto à torcida sincera pela seleção).
Ingenuidade é crer que a maioria do povo seria contra a Copa no sentido pretendido pelos tais manifestantes e disso fizesse uma bandeira política para derrotar o governo. O eleitor vai separar friamente os ganhos e as perdas nessa iniciativa. Não se pautará por isso para decidir seu futuro, o futuro do país na encruzilhada das eleições presidenciais. As pessoas sabem decifrar seus interesses.
É verdade que há uma esfinge a decifrar na sociedade. O argumento de fundo é de que há algo novo que é a emergência de uma extensa legião de brasileiros que ascenderam social e economicamente. Formarão suas próprias tradições, consolidarão valores, alimentarão o ideário meritocrático, farão suas experiências políticas. É reducionista considerar que isso representa a prevalência de uma “ideologia de shopping”. É muito mais que isso e muito menos ingênuo que isso, não obstante a despolitização– sobretudo anti-partidarização – que marca a sociedade contemporânea. Há alguma anomia nas relações sociais ou, ao menos, uma desreferenciação política mais geral das irrupções com respeito às entidades históricas que deram a estrutura vertebral da luta social – e política, por suposto – das últimas décadas. Há também, nesse ambiente, lugar para o descabeçamento puro e simples, soluções falsas que penalizam o povo.
O importante é que as forças estruturadas politicamente não se omitam, porque ajudam a promover o debate racional sobre os interesses do movimento social e da luta política que serve à maioria do povo e à afirmação nacional. Eis aí a disputa: buscar fazer prevalecer valores progressistas, com a experiência das forças sociais mais politizadas e experientes, desde que estejam abertos a ouvir e dar guarida às aspirações, formas de ver e agir dessas novas camadas, em especial mulheres e jovens, de seus anseios, insatisfações e protestos.
Não há como considerar que o povo brasileiro seja ingênuo politicamente. As últimas disputas políticas realizadas no país, depois do terror anti-Lula que deu na eleição de Collor, indicam que vão separando joio de trigo, pensam nos seus interesses, valores e expectativas sociais quando votam; decodificam mensagens partidárias na TV; desconstroem e reconstroem, em modo próprio, narrativas críticas sobre o que se propõe. Está mais esclarecido, tem sua própria forma de moldar opiniões, outro padrão social-familiar e etário no núcleo que rege a formação de opinião e forma a maioria da sociedade. Aliás, as três últimas eleições presidenciais foram marcadas pelo signo de que os órgãos e segmentos sociais ditos formadores de opinião, não fizeram valer sua opinião.
Esses contingentes sociais estão em disputa política, daí o afã da mídia hegemônica (e oposicionista) em produzir mau-humor a partir do mal-estar social com a vida urbana, os reclamos de que os avanços mantenham a aceleração dos últimos anos, as reivindicações de serviços públicos e melhora da representação e governança política. Mas pergunta-se: por que não o conseguiríamos, a partir do legado destes doze anos e da capacidade de promover ainda maiores mudanças?
Relembro Mário de Andrade e um comentário anterior que fiz ao povo como o heroi sem nenhum caráter. “Depois de pelejar muito verifiquei uma coisa me parece que certa: o brasileiro não tem caráter. Pode ser que alguém já tenha falado isso antes de mim porém a minha conclusão é (uma) novidade para mim porque tirada da minha experiência pessoal. E com a palavra caráter não denomino apenas uma realidade moral não, em vez, entendo a entidade psíquica permanente, se manifestando por tudo, nos costumes, na ação exterior, no sentimento, na língua, na História, na andadura, tanto no bem como no mal”.
Dizia na ocasião que não se deve tomar mais ao pé da letra essa ideia, pois ele avançou em forjar uma identidade própria (que, aliás, é marcantemente simpática aos olhos da maioria do mundo). Seu caráter já tem traços constitutivos, e a própria diversidade pode ser considerada a principal marca desse caráter, de um povo que se amalgama (como previa José Bonifácio de Andrada, o patriarca da independência) e que não está preso a fundamentalismos e verdades acabadas, por isso aberto para o futuro.
Talvez os brasileiros estejam menos dionisíacos com o futebol – uma paixão mais racional, digamos assim – e isso não é necessariamente um mal; quem sabe, efeito do caráter do povo que vai se moldando e de um maior nível civilizador alcançado com a redução relativa das desigualdades sociais. Valha a pluralidade de opiniões e o direito de todos em se manifestar, mas também quanto a condenar a queima da bandeira brasileira.
A que serve e a quem serve essa iniciativa? Não se deve considerar ser ingenuidade ou simples primarismo o que motivou a iniciativa – não pelo que vemos nessa manifestação, que acaba conspurcando até os movimentos sociais que, certos ou errados, reclamam contra a Copa para alcançar reivindicações sinceras. E a esta altura da luta, na atual correlação de forças no mundo e no Brasil, não se deve imaginar que isso foi espontâneo, não mesmo.
Queimar bandeiras se tornou um marco de protesto contra o imperialismo, contra os atentados, golpes e guerras promovidos, sobretudo, pelos EUA em todo o mundo. Ainda hoje isso vige, contra as guerras “humanitárias” promovidas pelo presidente Nobel da Paz (!), enquanto os mais de 1 milhão de soldados que fizeram a guerra, desde o Vietnã, ditos “heróis da pátria” são verdadeiros párias sociais ao retornarem mutilados e portadores de doenças mentais. É conhecido o escândalo dos veteranos de guerra abandonados nos cuidados à saúde que tem lugar hoje nos EUA.
Nada a ver com situação brasileira, muito menos com a Copa. O que ocorreu em São Paulo desserve à causa popular. Claramente, leva água para um moinho que não é o do povo brasileiro, de seus interesses imediatos e fundamentais. Não vai nessa condenação nenhum nacionalismo, embora sim o patriotismo (que é o caso de invocar quanto à Copa e quanto à torcida sincera pela seleção).
Ingenuidade é crer que a maioria do povo seria contra a Copa no sentido pretendido pelos tais manifestantes e disso fizesse uma bandeira política para derrotar o governo. O eleitor vai separar friamente os ganhos e as perdas nessa iniciativa. Não se pautará por isso para decidir seu futuro, o futuro do país na encruzilhada das eleições presidenciais. As pessoas sabem decifrar seus interesses.
É verdade que há uma esfinge a decifrar na sociedade. O argumento de fundo é de que há algo novo que é a emergência de uma extensa legião de brasileiros que ascenderam social e economicamente. Formarão suas próprias tradições, consolidarão valores, alimentarão o ideário meritocrático, farão suas experiências políticas. É reducionista considerar que isso representa a prevalência de uma “ideologia de shopping”. É muito mais que isso e muito menos ingênuo que isso, não obstante a despolitização– sobretudo anti-partidarização – que marca a sociedade contemporânea. Há alguma anomia nas relações sociais ou, ao menos, uma desreferenciação política mais geral das irrupções com respeito às entidades históricas que deram a estrutura vertebral da luta social – e política, por suposto – das últimas décadas. Há também, nesse ambiente, lugar para o descabeçamento puro e simples, soluções falsas que penalizam o povo.
O importante é que as forças estruturadas politicamente não se omitam, porque ajudam a promover o debate racional sobre os interesses do movimento social e da luta política que serve à maioria do povo e à afirmação nacional. Eis aí a disputa: buscar fazer prevalecer valores progressistas, com a experiência das forças sociais mais politizadas e experientes, desde que estejam abertos a ouvir e dar guarida às aspirações, formas de ver e agir dessas novas camadas, em especial mulheres e jovens, de seus anseios, insatisfações e protestos.
Não há como considerar que o povo brasileiro seja ingênuo politicamente. As últimas disputas políticas realizadas no país, depois do terror anti-Lula que deu na eleição de Collor, indicam que vão separando joio de trigo, pensam nos seus interesses, valores e expectativas sociais quando votam; decodificam mensagens partidárias na TV; desconstroem e reconstroem, em modo próprio, narrativas críticas sobre o que se propõe. Está mais esclarecido, tem sua própria forma de moldar opiniões, outro padrão social-familiar e etário no núcleo que rege a formação de opinião e forma a maioria da sociedade. Aliás, as três últimas eleições presidenciais foram marcadas pelo signo de que os órgãos e segmentos sociais ditos formadores de opinião, não fizeram valer sua opinião.
Esses contingentes sociais estão em disputa política, daí o afã da mídia hegemônica (e oposicionista) em produzir mau-humor a partir do mal-estar social com a vida urbana, os reclamos de que os avanços mantenham a aceleração dos últimos anos, as reivindicações de serviços públicos e melhora da representação e governança política. Mas pergunta-se: por que não o conseguiríamos, a partir do legado destes doze anos e da capacidade de promover ainda maiores mudanças?
Relembro Mário de Andrade e um comentário anterior que fiz ao povo como o heroi sem nenhum caráter. “Depois de pelejar muito verifiquei uma coisa me parece que certa: o brasileiro não tem caráter. Pode ser que alguém já tenha falado isso antes de mim porém a minha conclusão é (uma) novidade para mim porque tirada da minha experiência pessoal. E com a palavra caráter não denomino apenas uma realidade moral não, em vez, entendo a entidade psíquica permanente, se manifestando por tudo, nos costumes, na ação exterior, no sentimento, na língua, na História, na andadura, tanto no bem como no mal”.
Dizia na ocasião que não se deve tomar mais ao pé da letra essa ideia, pois ele avançou em forjar uma identidade própria (que, aliás, é marcantemente simpática aos olhos da maioria do mundo). Seu caráter já tem traços constitutivos, e a própria diversidade pode ser considerada a principal marca desse caráter, de um povo que se amalgama (como previa José Bonifácio de Andrada, o patriarca da independência) e que não está preso a fundamentalismos e verdades acabadas, por isso aberto para o futuro.
Talvez os brasileiros estejam menos dionisíacos com o futebol – uma paixão mais racional, digamos assim – e isso não é necessariamente um mal; quem sabe, efeito do caráter do povo que vai se moldando e de um maior nível civilizador alcançado com a redução relativa das desigualdades sociais. Valha a pluralidade de opiniões e o direito de todos em se manifestar, mas também quanto a condenar a queima da bandeira brasileira.
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