No site da Fundação Maurício
Grabois:
As cores das eleições para governadores
Oswaldo Bertolino:
O enfrentamento entre forças
ideológicas antagônicas no plano nacional se reproduziu nos estados. A disputa
política, embora muitas vezes sem uma definição clara das alianças por um campo
ou outro, evidenciou bem o sentido do acirramento das campanhas, que reproduziu
tendências históricas da sociedade brasileira.
Vermelho ou
azul? As cores usadas para marcar a geografia dos votos dos candidatos no
segundo turno das eleições presidenciais de 2014, Dilma Rousseff e Aécio Neves,
servem também para colorir o mapa dos governadores eleitos. Elas estampam,
convencionalmente, o pano de fundo da disputa, os fatores conjunturais que
determinaram os resultados. No curso dos debates eleitorais não houve
praticamente nenhum aspecto dessa conjuntura que não se converteu em polêmica
renhida. A realidade permeada por problemas que se complicaram à medida que o
país avançou nas mudanças desde que Luis Inácio Lula da Silva se elegeu
presidente da República em 2002 impôs a necessidade de propostas que
respondessem a novas demandas.
As eleições,
portanto, ocorreram em um cenário de elevação da complexidade dos obstáculos ao
desenvolvimento do país e se constituíram um relevante acontecimento da luta
historicamente travada pelas forças progressistas contra agrupamentos ligados a
interesses oligárquicos e conservadores. A intensidade das cores espalhadas
pelo mapa do país, contudo, leva à indagação sobre o grau em que houve o choque
entre essas duas correntes e em qual medida os ideais mudancistas se
confrontaram com os da direita. Teriam sido esses os fatores determinantes para
definir os campos na campanha eleitoral — embora essa contraposição nem sempre
tenha se revelado nitidamente nos estados — e configurariam o cenário composto
pelas mãos do eleitorado brasileiro? Pode-se dizer que sim.
Fiel aliado
tucano
Considerando
as cores convencionadas, o vermelho encarnado obteve uma ligeira vantagem sobre
o azul turquesa no mapa dos governadores eleitos. Acre, Ceará, Piauí, Bahia e
Minas Gerais elegeram candidatos do Partido dos Trabalhadores (PT); o Maranhão
elegeu, pela primeira vez na história, um governador do Partido Comunista do
Brasil (PCdoB). O Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) ganhou no
Paraná, no Mato Grosso do Sul, em São Paulo, em Goiás e no Pará. No balanço de
perdas e ganhos, o vermelho também leva ligeira vantagem: o PT perdeu o
Distrito Federal e o Rio Grande do Sul, mas ganhou o estratégico estado de
Minas Gerais, governado atualmente pelo PSDB. O fiel aliado tucano, o
Democratas (DEM), por sua vez, desapareceu do mapa de governadores.
O Partido do
Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), uma força ponderável no jogo político
nacional, fez sete governadores: Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Espírito
Santo, Sergipe, Alagoas, Tocantins e Rondônia. Já o Partido Socialista
Brasileiro (PSB), que se dividiu nos estados entre o vermelho e azul, fez três
(Distrito Federal, Pernambuco e Paraíba), seguido do PSD e do PDT, que venceram
em dois estados cada (Santa Catarina e Rio Grande do Norte, Mato Grosso e
Amapá, respectivamente). O Partido Republicado da Ordem Social (PROS) e o
Partido Popular (PP) elegeram um governador cada (Amazonas e Roraima,
respectivamente).
Deficiências
políticas
As forças de
esquerda ampliaram suas posições (o PT tinha cinco governadores e o PSDB elegeu
oito em 2010), mas é necessário assinalar que nos estratégicos estados de São
Paulo, Rio de Janeiro e Paraná os resultados foram pífios. Pode-se dizer que
concorreram para isso, basicamente, as dificuldades para se formar um campo de
centro-esquerda mais amplo; nos três estados, a disputa se deu com a presença
de fortes candidatos do PMDB. As campanhas das coligações de esquerda nesses
estados tiveram dificuldades para dialogar com camadas substanciais da
população, revelando contradições, deficiências políticas e debilidades
organizativas.
Durante a
campanha, os demais partidos oscilaram entre o vermelho e o azul. Os
governadores eleitos do PMDB (que fez parte da coligação presidencial liderada
pelo PT) no Rio Grande do Sul, José Ivo Sartori, e no Espírito Santo, Paulo
Hartung, assumiram a campanha do tucano Aécio Neves; já o candidato do PSB
(partido que em 2010 elegeu seis governadores e no segundo turno de 2014 apoiou
o candidato do PSDB) da Paraíba, Ricardo Coutinho, fez campanha para Dilma
Rousseff (os demais governadores do PSB eleitos, Paulo Câmara em Pernambuco e
Rodrigo Rollemberg no Distrito Federal, apoiaram o candidato tucano).
Forças
partidárias
No PDT, o
governador eleito do Amapá, Waldez Góes, apoiou Dilma Rousseff, enquanto Pedro
Taques, do Mato Grasso, optou por Aécio. Já a governadora eleita de Roraima,
Suely Campos (PP), se disse neutra — assim como José Melo, do Amazonas (PROS),
apesar do espaço aberto para Aécio em seu programa na TV e no rádio, atendendo
pedido do seu principal cabo eleitoral, o prefeito de Manaus, Artur Virgílio
Neto (PSDB). Essas posições indicam, na verdade, que o quadro partidário
brasileiro não contempla, em sua plenitude, a acentuada disparidade de
propostas que disputam a hegemonia do país, formando dois leques principais de
opções com polos antagônicos.
Para se
compreender as tendências reveladas nas eleições, portanto, precisa-se de uma
análise dos resultados obtidos pelas diversas forças partidárias. Ao
empreendê-la, porém, deve-se ter em conta as particularidades dos partidos e
não tomar cada sigla como expressão global e unitária de determinada posição
política. Muitas vezes eles são agrupamentos mais ou menos heterogêneos, sem
conteúdo programático definido, incluindo forças com interesses sociais e
políticos contraditórios, marcados por regionalismos e até pelo personalismo.
Como decorrência desses fatores, as alianças fechadas principalmente em torno
dos postos de governadores influíram para tornar o panorama extremamente
complexo.
Correntes
ideológicas
Nem sempre as
forças se cristalizaram suficientemente como propostas unitárias. Mas isso não
significa que as coligações nos estados inviabilizam esforços para a ampliação,
em âmbito nacional, do campo governista. As injunções partidárias, os
interesses pessoais e contradições secundárias muitas vezes dificultaram a
unificação de todas as correntes governistas em torno de candidaturas comuns.
Quando as forças progressistas se dividiram ficou evidente que a contradição
maior não apareceu claramente diante do eleitorado, impossibilitando que ele se
decidisse levando em conta o panorama nacional.
Em muitos
casos, questões regionais ou locais da competição, interesses personalistas,
alianças de conteúdo puramente utilitário e ausência de princípios
programáticos se sobrepuseram às visões das tendências fundamentais em disputa.
Em essência, porém, elas estavam presentes e se opunham sob as mais variadas
formas de combinações políticas. Disputas que aparentemente se deram em torno
de nomes ou de interesses de grupos, sem qualquer conteúdo ideológico ou sem
relação perceptível com os problemas nacionais, expressavam, no fundo, o
conflito fundamental — não é possível existir líderes ou grupos sem ligação
direta ou indireta, consciente ou inconscientemente, com as aspirações dos
interesses representados pelas grandes correntes ideológicas opostas.
Caminho viável
Seria
esquematismo, ou até mesmo ingenuidade, portanto, conceber algo alheio à
complexidade do fenômeno político brasileiro, à essência do acirramento da
disputa que varou o país de alto a baixo. A temperatura elevada da polêmica
nada mais é do que a tradução do crescimento da influência do pensamento
progressista brasileiro, que elevou-se à medida que o país gerou novas
demandas. As forças governistas, antes tidas como esperança, apareceram como
caminho viável para o desenvolvimento do país; os êxitos relativos dos
conservadores foram tendenciosamente exagerados pela mídia e maquiados por seus
representantes para apresentá-los como aprovação de suas propostas.
Examinados
mais de perto, eles em nada indicam uma inclinação da população brasileira para
a orientação direitista, traduzida na falácia midiática da divisão do país. A
campanha dos candidatos dessa coloração, feita à base de ódios e vaticínios
catastróficos, não ocultou a essência das aspirações por mais mudanças. O voto
desorientado, patrocinado pela sistemática e brutal campanha da mídia contra o
campo governista, foi o grande responsável por votações expressivas em
candidatos da direita em alguns estados — principalmente em São Paulo e no
Paraná —, favorecidos também pela dispersão das forças de centro-esquerda.
Caso omisso
A apreciação
objetiva dos resultados, portanto, desmente as análises capciosas que tentam
desqualificar os resultados do campo governista. O poder de atração das causas
sociais se manifestou com sua transformação em bandeira eleitoral também de
numerosos candidatos com notória coloração conservadora. Mascarados de adeptos
do progresso social, por saberem que se ousassem combatê-lo frontalmente seriam
fragorosamente derrotados, venderam para o eleitorado a ideia de que suas
aspirações independiam de princípios políticos e ideológicos. Nos estados em
que o campo governista se apresentou unido, ficou mais difícil para a direita
enganar os potenciais influenciados pela propaganda falaciosa da direita.
É preciso
constatar, ainda, que algumas campanhas não sensibilizaram grande parte do
eleitorado pela falta de vinculação entre as soluções gerais dos problemas
brasileiros e os interesses imediatos vitais do povo. Ficou demonstrado que o
campo governista não pode, em hipótese alguma, fazer caso omisso das condições
de vida das massas, não só porque o bem-estar é um dos requisitos essenciais
como também a participação popular é imprescindível para o desenvolvimento
econômico e social do país. Essa dinâmica política, nem sempre devidamente
compreendida, possibilitou ao conservadorismo capitalizar o descontentamento de
certos setores da população diante da ausência de soluções efetivas para as
dificuldades enfrentadas em serviços públicos essenciais.
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