Xadrez do
assassinato político e o papel do MPF
Luís Nassif,
Jornal GGN
Peça 1 – as peças
iniciais do jogo
É curioso a rapidez do tempo
histórico nesses tempos de Internet e redes sociais. Há o lado da
desestruturação das informações, pela quantidade e rapidez com que se sucedem
os eventos. Mas há o lado da enorme rapidez dos diagnósticos em cima de eventos
históricos ainda em andamento.
É o caso da nova estratégia da
geopolítica norte-americana, montada a partir do advento da Internet e das
redes sociais.
Ao longo dos últimos anos, foi
possível acompanhar passo a passo esse jogo. No início, dada a aparente
volatilidade dos fatos, íamos registrando o passo-a-passo, mas ainda mantendo
dúvidas sobre as formas de organização: havia uma lógica, algum conhecimento
sistematizado, ou apenas um ou dois eventos planejados e o resto se sucedendo
de forma aleatória?
Afinal, a cooperação internacional –
a troca de informações entre os órgãos de segurança de vários países - é
praticada há anos em várias instâncias, desde a cobrança de pensão alimentícia
até extradição de criminosos. Era de conhecimento público a cooperação entre
FBI e a Polícia Federal. E, desde a constituição da Sistema Brasileiro de
Inteligência (Sisbin) a prática da integração dos diversos órgãos de
fiscalização em forças tarefas.
A maneira como a Lava Jato investiu
contra a Petrobras e as empreiteiras, como destruiu sistematicamente a cadeia
do petróleo e gás e a indústria naval, parecia, no início, apenas esbirros de
um país atrasado, de instituições frágeis, de uma mídia subdesenvolvida, que
não conseguiram avaliar a relevância das empresas para a geração de impostos,
emprego, tecnologia.
Jogava-se já no golpe do impeachment
e todos os prejuízos ao país eram lançados na conta do golpe.
Com o tempo, percebeu-se que havia
método no trabalho.
Peça 2 – os
primeiros indícios do jogo
antinacional
A ida do Procurador Geral da
República Rodrigo Janot aos Estados Unidos, no início de fevereiro de 2015,
chefiando uma equipe de procuradores, levando informações contra a Petrobras,
despertou o primeiro alerta: a cooperação internacional se dava de forma
estranha, não seguindo as formalidades.
No dia 2 de fevereiro de 2015,
nosso colunista André Araújo, do alto de sua experiência, antecipava os pontos
centrais de questionamento (https://goo.gl/V2Wrhv):
1. Como um
agente do Estado brasileiro vai aos EUA levando informações contra uma empresa
controlada pelo Estado brasileiro? Quem deveria ter ido era a AGU (Advocacia
Geral da União).
2. Nenhum
país minimamente consciente de sua soberania permite que suas empresas e
cidadãos sejam processados no exterior. No caso brasileiro, não apenas se
permitia como se alimentava a Justiça norte-americana.
3. Cooperação
internacional só pode se dar através do Ministério da Justiça. A tropa de
procuradores, comandada por Janot, não apenas atropelava o Ministério da
Justiça como o próprio Ministério das Relações Exteriores, assumindo o controle
completo da cooperação.
André estranhava, principalmente, a
visita de Janot ao Departamento de Justiça: “A única coisa sobre Petrobras que
existe no Departamento de Justiça é uma investigação criminal contra a empresa
Petrobras, os procuradores vão lá reforçar a acusação? É a única coisa que
podem fazer, defesa não é com eles, é com a AGU”.
No dia 9 de fevereiro, a Procuradoria
respondeu às indagações formuladas (https://goo.gl/Vs6lqz).
Foi a única vez que se dignou a dar informações para uma cobertura que não
fosse chapa branca.
Na nota, duas informações
significativas.
A primeira, a relação de instituições
públicas que acompanharam o PGR: CVM (Comissão de Valores Mobiliários) e CGU
(Controladoria Geral da União), apenas instituições públicas fiscalizadoras, e
não a AGU (Advocacia Geral da União) a quem caberia defender a Petrobrás. Não
foi um pecado solitário da PGR, mas a prova mais evidente da forma totalmente
despreparada com que o governo Dilma Rousseff encarou a Lava Jato.
Não faltaram alertas para que ela
entrasse em contato direto com Barack Obama, visando impedir ações contra a
Petrobras – vítima da corrupção, e não autora.
A segunda, a informação de que o
Ministério da Justiça não era a autoridade central exclusiva nos acordos de
cooperação. Dizia a nota:
“A obtenção de provas por meio de
auxílio direto ou rogatórias e a transmissão de documentos entre os Estados é
feita pela autoridade central, papel que, no Brasil, é desempenhado pelo
Ministério da Justiça OU pela PGR”.
De nada adiantaram os alertas de que
seria suicídio o Ministério da Justiça deixar o controle total da cooperação
nas mãos da PGR, que era peça da conspiração. O Ministro José Eduardo Cardozo
jamais quis correr o menor risco em defesa da legalidade e do seu governo.
Em 2 de abril de 2015,
dois meses após a visita de Janot aos EUA, saiu a denúncia contra o almirante
Othon Luiz Pereira da Silva, figura chave no desenvolvimento nuclear brasileiro
(https://goo.gl/AVPiw8).
A maneira como chegaram em Othon foi
apertar o presidente da Andrade Gutierrez Dalton Avancini, que já havia feito
uma delação. Providenciaram uma segunda delação onde o induziram a denunciar a
Eletronuclear, com base nas informações conseguidas junto às autoridades
norte-americanas.
A partir da reformulação de sua
delação, deflagrou-se a Operação Radioatividade, para investigar suspeitas na
área nuclear.
Indagamos da PGR se trouxera da
visita as informações contra a Eletronuclear. A resposta, dúbia, foi de que
“nós não saímos do Brasil com essa intenção”, uma maneira de dizer que voltaram
com a informação. O indiciamento do Almirante se deu em tempo recorde.
No dia 2 de agosto de 2015,
quando já estavam mais nítidos os sinais da articulação entre a PGR e as
autoridades norte-americanas, o GGN resolveu investigar a trajetória do PGR
Janot nos Estados Unidos. E descobriu que ele se encontrou com Leslie Caldwell,
procuradora-adjunta encarregada da Divisão Criminal do Departamento de Justiça
dos Estados Unidos (http://migre.me/qZSvO) e,
até um ano antes, advogada de um grande escritório de advocacia que atendia à
indústria eletronuclear norte-americana.
A partir desse episódio, ficou nítido
que havia uma estreita cooperação entre autoridades de ambos os países e o que
parecia uma aparente ignorância do PGR e do Ministério Público em relação aos
interesses nacionais em jogo, era uma articulação pensada e antinacional.
Peça 3 – o
confronto com o que ocorreu em outros países
Gradativamente, começaram a aparecer
detalhes de casos envolvendo líderes socialdemocratas em outros países do
mundo, sempre tendo o Ministério Público e a Justiça como elementos centrais de
desestabilização.
Em Portugal e Argentina ocorreu o
mesmo processo (https://goo.gl/dJZHHZ). Em
Portugal, uma campanha sistemática contra o ex-primeiro ministro socialista
José Sócrates, um ano de campanha, 9 meses de prisão preventiva. No
final, nenhum elemento capaz de condená-lo, mas Sócrates estava politicamente
destruído.
Na Argentina, o mesmo procedimento do
MPF brasileiro. Pega-se uma decisão de política econômica, identificam-se
ganhadores genéricos e amarra-se com algum financiamento de campanha para
criminalizar Cristina Kirchner que foi indiciada e precisou depor perante um
juiz (https://goo.gl/no1iaC).
No dia 20 de fevereiro de 2016, uma
entrevista extremamente elucidativa de Jamil Chade (https://goo.gl/Bk2qJq), correspondente do
Estadão em Genebra. Autor de um livro sobre o escândalo da FIFA, com fontes no
FBI, Chade contava que foram as manifestações de junho de 2013 que convenceram
o FBI que o Brasil estaria preparado para enfrentar dois mega-escândalos. Um,
foi a Lava Jato, com foco na Petrobras. O segundo, a FIFA, visando romper os
acordos esportivos que asseguram às empresas nacionais blindagens de audiência
contra a entrada de competidores estrangeiros.
Ora, FIFA é um escândalo brasileiro,
que tem na Globo seu principal formulador. Os agentes do FBI diziam que o MPF
brasileiro era o menos colaborativo no caso FIFA, ao contrário da Lava Jato,
onde as informações fluíam torrencialmente.
Justamente nas manifestações de junho
de 2013 houve o pacto entre a Globo e o MPF no combate à PEC 37, que
restringiria a capacidade de investigação do MPF.
No dia 10 de março de 2016,
GGN entrevistou o cientista político Moniz Bandeira, que explicou de forma
detalhada a nova estratégia norte-americana, abdicando das parcerias militares
em benefício dos pactos com o Judiciário e o Ministério Público. Sob o título
“Da Primavera Árabe ao Brasil, como os EUA atuam na geopolítica” (https://goo.gl/u1ISQ8) Moniz disseca o
novo modo operacional da geopolítica norte-americana.
No dia 20 de maio de 2016 participei
de um debate na Fundação Escola de Sociologia e Política com o acadêmico alemão
Thomas Meyer, autor do livro “Democracia midiática: como a mídia coloniza a
política”. Meyer é intelectual de peso, membro do Grupo Consultivo da
União Europeia para a área de Ciências Sociais e Humanas e vice-presidente do
Comitê de Princípios Fundamentais do Partido Socialdemocrata da Alemanha
No debate, contou em detalhes como se
deu a campanha que levou à renúncia do presidente socialdemocrata Christian
Wullf. Durante quatro anos, houve uma campanha de mídia na Alemanha que
utilizava informações inventadas, absurdas, segundo ele. Todos os veículos
montaram um fluxo único de informações, massacrando o presidente até renunciar.
Peça 4 – a explicitação
da metodologia do “lawfare”
Nos embates contra a Lava Jato, os
advogados de Lula decidiram levar a perseguição ao Acnudh (Alto
Comissariado da ONU para os Direitos Humanos). No levantamento das práticas de
abusos, houve uma discussão com especialistas na Universidade de Harvard, que
detalharam a tática conhecida como “lawfare”, ou guerra jurídica (https://goo.gl/28knxn).
Ali se percebeu que o fenômeno,
global, já havia sido detectado pela academia dos países centrais, que
conseguiram sistematizar seu modo de operação.
Consiste em uma parceria entre
Ministério Público e mídia visando gerar uma enorme quantidade de notícias e
denúncias, mesmo sem maiores fundamentos. O objetivo é sufocar a defesa,
destruir a imagem do réu perante à opinião pública, atingindo seus objetivos de
anulá-lo para a política – seja pela destruição da imagem ou pelo
comprometimento de grande parte do tempo com a defesa.
Trata-se, portanto, de um recurso
utilizado em várias partes com propósitos eminentemente políticos. A mesma
coisa que ocorreu em Portugal, Alemanha, na Espanha, com o primeiro-ministro
Felipe Gonzáles.
E, aí, se junta a última peça para a
explicitação da metodologia de atuação: quem comanda o circo
No
começo de tudo estão os interesses geopolíticos norte-americanos, fundados em
alguns objetivos:
1.
Impedir o desenvolvimento autônomo de potências regionais e de modelos de
socialdemocracia. Não é coincidência, a crise atual da Coréia do Sul, os
ataques aos líderes socialdemocratas em vários países.
2.
Atuar firmemente contra os BRICs. Brasil já é fato consumado. Tenta-se, agora,
a Índia.
3.
Consolidar o livre fluxo de capitais já que, hoje em dia, a hegemonia
norte-americana se dá fundamentalmente no campo financeiro.
O
governo dispõe basicamente de três estruturas.
Em
azul escuro, no topo, o Departamento de Estado (na época dirigido por Hillary
Clinton, estreitamente ligada ao establishment norte-americano), em cooperação
com o Departamento de Justiça. Como braços operacionais, o FBI – e suas
parcerias com as polícias federais – e a NSA – a organização que se
especializou em espionagem eletrônica, responsável pelos grampos nos telefones
de Dilma Rousseff e Ângela Merkel.
O
Departamento de Estado dispõe de três ambientes de disseminação da estratégia:
as redes sociais, a cooperação internacional e o mercado.
Há
anos, o Departamento de Estado atua nas redes sociais de vários países.
Recentemente, a Wikileaks revelou a atuação do homem de Hillary nas redes
sociais atuando junto a comunicadores brasileiros.
A
cooperação internacional é uma estrutura antiga, de troca de informações entre
Ministérios Públicos e Policias Federais de vários países. Após o atentado às
Torres Gêmeas, tornou-se peça central de colaboração contra o crime organizado.
Nela, o FBI desempenha papel central, por ser o órgão mais bem aparelhado para
o rastreamento de dinheiro em paraísos fiscais – onde se misturam dinheiro do
narcotráfico, caixa dois, dinheiro de corrupção política. Com o controle das
informações, disponibiliza aquelas que são de interesse direto da geopolítica
norte-americana.
Finalmente,
o mercado, com sua extensa rede de entrelaçamento com instituições financeiras,
empresas e mídia nacionais, é o terceiro canal de influência.
Nos
círculos vermelhos, os três fenômenos que chacoalham as democracias modernas.
O
primeiro, a informação caótica, fato que aumenta com as redes sociais e,
especialmente, com os grupos de mídia praticando a chamada pós-verdade – a
invenção de notícias com propósitos políticos.
O
desalento com a economia – após a crise de 2008 – gerou dois novos sentimentos
de massa: o desânimo com a democracia e a busca de saídas autoritárias; e a
exploração do mito do inimigo externo, que pode ser um membro do Islã, um
imigrante indefeso ou um perigoso agente da socialdemocracia.
A
falência do estado de bem-estar social, a falta de alternativas, promoveu um
quarto sentimento, que é o do desmonte do Estado através do enfraquecimento da
política em favor do mercado.
Em
verde, finalmente, os agentes nacionais desse golpe: a Lava Jato e a PGR,
firmemente empenhados na destruição da estrutura atual de grandes empresas
brasileiras; a mídia e o mercado.
Com
essas ferramentas à mão, monta-se o “lawfare”, visando exclusivamente os
adversários do sistema. E, no bojo das operações, o conjunto de ideias
econômicas que, no caso brasileiro, foi batizado de “Ponte para o Futuro”:
desmonte do Estado social, livre fluxo de capitais, privatização selvagem.
No
futuro, assim que se sair do estado de exceção atual, não haverá como não
denunciar o Procurador Geral Janot, o juiz Moro e os procuradores da Lava Jato
por crime contra o país. E, aí, haverá ampla documentação devidamente
registrada e que possivelmente será requisitada pelo primeiro governo
democrático brasileiro, pós-golpe, junto à cooperação internacional.
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