O importante agora é defender a Constituição
André Singer, na Folha de S. Paulo
A
avalanche noticiosa produzida pelas centenas de horas gravadas com
denúncias de corrupção que as televisões exibem desde
quarta-feira (12) fez ganhar corpo projetos de abolir de vez o que foi
duramente conquistado no ciclo virtuoso que vigorou entre 1988 e 2016 (quando o
impeachment sem crime de responsabilidade esgarçou o tecido democrático
brasileiro). Não bastassem as mudanças constitucionais regressivas já
aprovadas, como a PEC dos gastos públicos, e as que estão em debate, como a
reforma previdenciária, quer-se abrir espaço para derrubar toda a Constituição
de 1988.
O
manifesto assinado pelos juristas Modesto Carvalhosa, Flávio Bierrenbach e José
Carlos Dias ("O Estado de São Paulo", 9/4), por exemplo, propõe a
convocação de um plebiscito com vistas a saber se a população deseja eleger uma
constituinte independente, isto é, composta de não políticos. É verdade que, em
2013, a então presidente Dilma Rousseff também aventou um plebiscito para
consultar o eleitorado sobre a conveniência de uma constituinte. Mas a
proposta, que caiu no vazio, seria de uma assembleia exclusiva, encarregada
apenas da reforma política. Agora, a ideia é começar do zero, aprovando uma
Constituição inteiramente nova.
Equivaleria
a aproveitar o momento radicalmente antipolítico em que nos encontramos para
demolir os avanços do período mais aberto da história do país. Uma constituinte
neste momento revogaria os objetivos maiores de "construir uma sociedade
livre, justa e solidária" e de "erradicar a pobreza (...) e reduzir
as desigualdades sociais" (Artigo 3º) que presidem a atual Carta.
Se
verdadeiro, o conteúdo exposto pelos delatores da Odebrecht é grave? Sem
dúvida, mas não é novo. Sergio Machado, ex-presidente da Transpetro, afirmara,
um ano atrás, que, desde 1945, os políticos sempre receberam dinheiro das
grandes empresas que têm negócios com o Estado. Claro que o fato de que os três
principais partidos atuais possam ter sido tomados pela forma tradicional de
fazer política no Brasil, embora tenham nascido para realizar o contrário,
decepciona, indigna e entristece, provocando a expectativa de que eles se
transformem.
Mas
cabe lembrar que foi também com esses partidos que, ao longo de quase 30 anos,
o Brasil viveu, pela primeira vez, em plena democracia, ampliando o direito de
voto até incorporar 144 milhões de eleitores, algo como 70% da população. A
nossa democracia está entre as maiores do planeta, junto às da Índia e dos EUA.
Defender
a Constituição em vigor é o único modo que temos de seguir na trilha da
liberdade, em lugar de retroceder a formas mais ou menos explícitas de
autoritarismo.
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