O grande Zuenir
torna-se um hater da Globo
Luis Nassif,
no Jornal GGN
Nas redes
sociais, um agente das batalhas opinativas são os haters, perfis com maior ou
menor influência, incumbidos de estimular o senso comum nas discussões em
curso. Isto é, transformar discussões em bate-bocas acessíveis ao universo das
boiadas que seguem os condutores.
O
diferencial da mídia seria ir além desse jogo de impressionismos, trazendo
argumentos, ângulos novos, em uma direção ou outra, mas colocando-se acima
desse populismo de Facebook.
O
que está ocorrendo é o contrário, com colunistas assumindo o papel de haters de
Internet, de chefes de torcidas tratando seus leitores como seguidores imbecis,
sem discernimento.
Se alguém
pretender analisar os efeitos do fenômeno dos haters na mídia, e a degradação
do colunismo, o artigo de Zuenir Ventura no Globo de hoje é
um clássico.
Zuenir
analisa uma das mais relevantes sessões da história contemporânea do STF
(Supremo Tribunal Federal), a que negou o habeas corpus a Lula.
O julgamento
envolveu questões complexas, conceitos, lógica jurídica, os efeitos das
pressões da mídia, as espertezas processuais, as tentativas de recorrer à
erudição jurídica para defender pontos de vista políticos.
Foi uma
sessão complexa, com críticas às manobras regimentais, discussões acerbas sobre
o direito que tem o Supremo ou não de inventar leis, temas envolvendo a teoria
do poder, o papel das instituições, o próprio conceito da democracia
representativa.
O que faz
nosso bravo hater?
O começo: a
carteirada intelectual
“Foram quase
11 horas com apenas alguns intervalos, bem mais do que a peça de Ariane
Mnouchkine “Rei do Camboja”, de oito horas, a que assisti em 1985 em Paris e
que era o meu recorde de espectador. Só que o espetáculo do STF teve mais
suspense, pois não se sabia o que iria acontecer com o protagonista”.
Legal. Quem
assistiu Ariane Mnouchkine em 1985 em Paris, de fato, tem a métrica correta
para analisar o STF em 2018 em Brasília.
A análise
técnica do discurso de Gilmar, que é do outro time
“O número
exótico foi apresentado por Gilmar Mendes, vindo especialmente de Lisboa, para
onde voltou após votar. Deu um show de interpretação com sua retórica teatral
de caras e bocas. Exaltou-se, responsabilizou os petistas pela atual
intolerância e jogou pedras na Geni, que é a imprensa hoje.
Disse que
nunca viu uma “mídia opressiva” como a de agora. Acusou o “Jornal Nacional” de
“neopunitivismo” por querer “provar minha incoerência” , deu um esbarrão no
GLOBO e fez pior com a “Folha de S.Paulo”, chamando-a de “mídia chantagista”.
Queixou-se também dos que querem lhe dar lição sobre o sistema penitenciário.
“É injusto ou indigno para comigo. Eu fui a Bangu e Pedrinhas, conheço esse
sistema”. Ah, sim, e também votou, como esperado, a favor da concessão do
habeas corpus”.
O, ah, sim!,
é para explicar porque ele desancou caras e bocas de Gilmar e se eximiu de
analisar o conteúdo. O “ah, sim!”, significa, ele votou a favor do HC, portanto
seus argumentos não importam.
A análise
percuciente do voto de Barroso, que é dos nossos
“O melhor
momento foi proporcionado por Luís Roberto Barroso. Com um discurso claro,
objetivo e convincente, ele deixou sem graça os que defendem o tal trânsito em
julgado, ao exibir exemplos de condenados que, de recurso em recurso, passaram
dez, 20 anos livres. Como “impactos devastadoramente negativos” de uma decisão
proibindo a prisão após condenação em segunda instância, ele citou a impunidade
de quem tem bons advogados e o descrédito do sistema penal. “Condenou-se a
advocacia criminal ao papel de interpor recurso incabível atrás de recurso
incabível para impedir a conclusão do processo e gerar artificialmente
prescrições”.
Há uma
imensa discussão sobre temas complexos, como a presunção da inocência, o
significado do transitado em julgado, à luz das cláusulas pétreas. Mas nosso
hater sintetizou tudo nessa frase magistral: “deixou sem graça os que defendem
o tal trânsito em julgado”. Melhor que isso, só outro jurista
percuciente, Rui Castro, supondo que a expressão “freio e contrapesos” foi
criada por algum engenheiro contemporâneo.
Curvou-se à
erudição sábia de Rosa Weber
“Rosa Weber
foi a quinta a votar, cercada da maior expectativa. Era aguardada como fiel da
balança. Por cerca de uma hora fez uma apresentação técnica, hermética,
coerente, sem concessões, de sua justificativa. Ela se baseou no “princípio da
colegialidade”, que faz “as vozes da individualidade cederem em favor de uma
voz institucional”.
Nem indague
de Zuenir o que vem a ser o “princípio da colegialidade”, porque ele veio para
sentir, não para entender. Um dos discursos mais atrapalhados dos últimos anos,
sendo ironizado por juristas de todas as linhas, transforma-se, na opinião
abalizada do nosso bacharel, em “apresentação técnica, hermética e coerente”.
Vai para o trono ou não vai?
Transformou
em machismo as críticas ao comportamento das Ministras mulheres.
“Por fim, é
triste lamentar o comportamento de Marco Aurélio (ajudado por Levandowski),
que, inconformado com a derrota, foi deselegante e descortês com Cármen Lúcia e
Rosa Weber, interrompendo-as enquanto falavam, lançando farpas e distribuindo
ressentimentos e queixumes.
Marco
Aurélio perdeu uma boa oportunidade de se mostrar um cavalheiro com duas das
mais brilhantes e serenas representantes do empoderamento feminino na Justiça”.
Deve ser a
síndrome de Estocolmo. Mas causa espécie assistir dois jornalistas experientes
e com história – como Zuenir e Ascânio Seleme – aceitarem o papel de haters de
rede social, em um momento em que a mídia diz se diferenciar da
superficialidade das redes sociais.
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