03 julho 2019

Justiça em causa


Retrato falado da crise
Luciano Siqueira

A sabatina a que se submeteu o ministro Sérgio Moro na Câmara dos Deputados, ontem, foi reveladora, uma vez mais, de um dos elementos marcantes da crise institucional que atravessamos – a fragilidade do Judiciário.

Em tese, numa sociedade dividida em classes, o ideal de uma Justiça imparcial e justa é questionável. Frequentemente — quando interesses políticos superiores estão em jogo — a balança do Judiciário pende para os interesses das classes dominantes.

O que se destaca na atitude de Sérgio Moro, ontem, é o reconhecimento da própria culpa, ora implícito (na sua expressão fisionômica e na linguagem tosca e gaguejante), ora explícito (quando atabalhoadamente tenta demarcar posições no campo político).

O deputado Renildo Calheiros foi muito feliz quando, ao arguir o ministro, observou que nas respostas às perguntas Moro oscilou entre evasivas quase monossilábicas e a repetida leitura de textos adredemente preparados para a sua auto defesa.

Estivesse o ministro seguro de sua inocência certamente se comportaria com segurança e altivez. Mas ele mostrou-se frágil, vacilante e defensivo. Atitude contrastante com a aura de paladino do combate à corrupção, outrora tido como um dos principais fiadores da aventura Jair Bolsonaro.

Ora, se o ministro da Justiça que assumiu o cargo prometendo avanços sem precedentes no combate à corrupção institucional e ao crime organizado revela-se, ele mesmo, contraventor, na medida em que descumpre a Constituição, desrespeita o Código de Ética da Magistratura e as normas processuais vigentes, que se deve esperar? No mínimo, que o próprio juiz, em nome da isenção e da lisura, se afaste temporariamente do cargo – como pedem a OAB e os governadores do Nordeste - para que a investigação (por ele determinada) feita pela Polícia Federal sobre o suposto hackeamento de suas conversas comprometedoras com procuradores da Operação Lava Jato pudesse se realizar de maneira minimamente confiável.

E qualquer observador minimamente atento e desapaixonado percebe que a tal investigação não passa de manobra diversionista para reduzir os impactos das revelações feitas pelo site Intercept.

Qual o futuro dos processos da Lava Jato em curso, sobretudo dos que tiveram sentenças lavradas, não se sabe. Mas fica claro que o que às instâncias superiores do Judiciário cabe o questionamento da dita operação e suas consequências jurídicas, em particular da condenação sem provas do ex-presidente Lula.

Se o Judiciário optar pelo que se chama comumente “operação abafa”, estará perpetrando mais um golpe mortífero sobre a nossa débil e instável democracia.

Para muito além das disputas partidárias e da divisão entre oponentes e apoiadores do atual governo, a sociedade brasileira, através de suas instituições e segmentos mais respeitados, precisa reagir em defesa do Estado democrático de direito.

[Ilustração: Hilma af Klint]

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