A
redescoberta da nação
Luis Carlos
Bresser-Pereira, na Folha de S. Paulo
A
grande crise que começou em 2013 dura até hoje.
No plano econômico, ela é estrutural; decorre do fato de desde os anos 1980
tanto o Estado quanto o setor privado terem perdido capacidade de investir; no
plano político, ela começa com as grandes manifestações de junho de 2013 que
marcaram o rompimento da classe média brasileira com o pacto
democrático-popular das Diretas-Já.
O
rompimento da classe média decorreu da incapacidade dos governos, tenham sido
eles de centro-direita ou de centro-esquerda, de retomar o desenvolvimento
econômico interrompido em 1980.
A
partir de 1990, no quadro da democracia, com a preferência pelo consumo
imediato, os interesses financeiros prevaleceram sobre o componente
desenvolvimentista do pacto, e a classe média se viu espremida entre uma classe
alta, financeiro-rentista, que se beneficiava dos juros e do câmbio apreciado,
enquanto os pobres eram beneficiados pelas políticas sociais e pelo aumento do
salário mínimo.
O rompimento da classe média ocorreu em 2013, quando essa classe deu uma
grande guinada para a direita e se submeteu ao neoliberalismo. Quando, em 2014,
o PT ganhou as eleições por pequena margem, não obstante haver perdido o apoio
das elites econômicas, esse partido e seu líder foram transformados em
“inimigos públicos”, aprofundando a crise política. O desencadeamento de uma
crise financeira e fiscal nesse mesmo ano de 2014, cuja culpa foi atribuída ao
governo Dilma Rousseff, agravou essa guinada.
Ocorre, então, uma sequência de conluios que aproveitam da hegemonia
neoliberal. Primeiro, o vice-presidente Michel Temer, para obter o apoio das
elites e da classe média e lograr o impeachment, encomendou a economistas
neoliberais o documento “Uma Ponte Para o Futuro”; ao mesmo tempo, para se
legitimar as violências contra o Estado de Direito da Operação Lava Jato, o então
juiz Sergio Moro e seus procuradores
escolheram o PT e Lula como seus alvos; finalmente, e segundo a mesma lógica, o
candidato Bolsonaro escolheu um economista radicalmente ortodoxo, Paulo Guedes, para alcançar a Presidência.
Esses três conluios não foram apenas contra a esquerda, foram contra o
Brasil. Os governos que deles resultaram colocaram todas as suas fichas em uma
incompetente política fiscal procíclica de corte dos investimentos públicos,
mostrando-se, assim, incapazes de adotar as políticas necessárias para a
retomada do desenvolvimento econômico, enquanto procuravam vender as empresas
públicas monopolistas a estrangeiros.
Hoje, o fracasso desse conservadorismo e dessa dependência radical aos
Estados Unidos está minando a hegemonia neoliberal. E vemos, de repente,
ressurgir a ideia da nação brasileira. Vemos intelectuais e políticos tanto na
centro-esquerda quanto na centro-direita, que haviam “esquecido” o nacionalismo
econômico, voltarem-se para ele —voltarem-se para uma nação que, não obstante
as lutas inerentes à sociedade civil, seja capaz de unir os brasileiros em
torno de um projeto nacionalista e desenvolvimentista.
Não há desenvolvimento econômico sem nacionalismo econômico, mas o
nacionalismo implica um projeto de desenvolvimento econômico que tenha como
principal característica macroeconômica a rejeição radical de déficits em conta
corrente que a taxa de câmbio apreciada gera no longo prazo.
Não basta para um
país a competitividade técnica (a produtividade); é preciso que o país tenha
também competitividade monetária, ou seja, uma taxa de câmbio competitiva que
assegure às empresas brasileiras igualdade de condições na concorrência com as
empresas de outros países.
Não basta ser contra a venda dos móveis da família. É preciso que a
família brasileira abandone a
não-política de um regime econômico voltado para
o consumo e o substitua por um regime de política econômica voltado para a
produção e a competitividade. O nacionalismo econômico só faz sentido quando o
país, além de rejeitar a dependência, abandona a preferência pelo consumo
imediato e se dispõe a competir no nível internacional.
Luiz
Carlos Bresser-Pereira, Professor emérito da Fundação Getulio Vargas,
ex-ministro da Fazenda (1987, governo Sarney), da Administração e da Reforma do
Estado e da Ciência e Tecnologia (1995-1998 e 1999, governo FHC)
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