Bolsonaro perde condições para golpe, mas evita jogar a toalha
Presidente tenta manter
tropa mobilizada para demonstrar força e negociar proteção
Bernardo
Mello Franco, O Globo
A história
acontece como tragédia e se repete no Brasil como arruaça. O bloqueio de
rodovias faz parte de um enredo premeditado por Jair Bolsonaro: a tentativa de
melar, pela via do tumulto, o resultado da eleição presidencial.
O capitão sempre
buscou imitar Donald Trump. No ano passado, o republicano incentivou seus
apoiadores a invadirem o Capitólio. Queria barrar a posse de Joe Biden, eleito
pela maioria dos americanos.
Na versão tupiniquim,
a baderna foi menos organizada. Os bolsonaristas se limitaram a parar o
trânsito, com a cumplicidade da cúpula da Polícia Rodoviária Federal. Outros
grupos de extrema direita armaram piquetes em frente a quartéis, onde clamam
por golpe e prisão de ministros do Supremo.
Bolsonaro está isolado.
Seus aliados já começaram a reconhecer a vitória de Lula na noite de domingo. O
discurso do presidente da Câmara, Arthur Lira, serviu como senha para o
desembarque do Centrão.
Enquanto o capitão
esperneava, escudeiros mais antigos também começaram a pular do barco. Até a
senadora eleita Damares Alves admitiu a derrota. Faltava a fala do chefe, que
se escondeu no palácio após a apuração dos votos.
Depois de 45 horas em
silêncio, Bolsonaro reapareceu ontem à tarde no Alvorada. Num pronunciamento de
dois minutos, evitou assumir que perdeu e se negou a citar o nome do presidente
eleito. Terceirizou a tarefa ao ministro Ciro Nogueira, encarregado de tocar a
transição.
O capitão passou a
mão na cabeça de seus radicais. Descreveu os atos golpistas como reações
legítimas a um sentimento de “indignação” e “injustiça” diante do resultado das
urnas. Só fez uma ressalva quanto à forma dos protestos. “Nossos métodos não
podem ser os da esquerda”, declarou.
Bolsonaro perdeu as
condições objetivas para virar a mesa. Os governadores eleitos com seu apoio
não estão interessados em confusão com o Judiciário. Os líderes de todos os
países do G8 já cumprimentaram Lula pela vitória.
Ainda assim, o
capitão evitou jogar claramente a toalha. Quer ganhar tempo e manter sua tropa
mobilizada — seja para cultivar a imagem de “imbrochável” ou para negociar
algum tipo de proteção a partir de 1º de janeiro.
[I,lustração: Cellus]
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