Oppenheimer: o custo humano da ambição científica
Em meio à ameaça nuclear na Europa, Nolan faz um filme realmente atual, que menos que um exercício estético, emociona pelo que sentimos que perdemos como mundo e como humanidade, após a bomba atômica criada por Oppenheimer
Cezar Xavier/Vermelho
O filme “Oppenheimer”, de Christopher Nolan, não tem como foco a bomba atômica ou a guerra, mas o físico J. Robert Oppenheimer, uma figura central no desenvolvimento da bomba atômica durante a Segunda Guerra Mundial. O filme mergulha na vida e nas decisões do cientista que carrega o peso do mundo nas costas, fornecendo um retrato abrangente de um homem cujas ações tiveram profundas consequências para a história humana. Difícil não se emocionar depois dessa jornada de três horas, no cinema.
É neste ponto de vista que Nolan brilha como cineasta. Seu recorte mostra do que o cinema é capaz ao investigar a alma de um cientista atormentado pelo Frankenstein a que está dando vida.
Dirigido com sensibilidade e atenção à precisão histórica, o filme oferece uma oportunidade única para refletir sobre o impacto da guerra e o duradouro legado do Projeto Manhattan. Quando, em 1938, dois cientistas fizeram o que se julgava impossível, dividir um átomo de urânio, a fissão nuclear deixou de ser algo teórico para ser executável, tornando possível uma arma de destruição nunca vista antes pela humanidade. Ele achava que apenas mostrar do que os testes nucleares eram capazes já seria definidor para o fim da guerra. Em vez disso, viu a Little Boy e a Fat Man explodir sobre Hiroshima e Nagasaki.
“Oppenheimer” lança luz sobre o nexo inegável entre o progresso científico e a busca pelo poder. A inteligência e o brilhantismo científico de Oppenheimer são inegáveis, mas o filme também o retrata como um homem movido pela ambição e pelo desejo de reconhecimento na comunidade científica, o que o levou a se envolver na perigosa teia do militarismo patrocinado pelo Estado.
O filme revela as consequências da militarização e a busca implacável pelo domínio tecnológico, trazendo à tona os efeitos devastadores da criação de Oppenheimer. Essa busca desenfreada pelo avanço científico destaca a natureza desumana e exploradora da ordem capitalista, onde as descobertas científicas são cooptadas pelas elites para seus objetivos, independentemente do sofrimento que infligem a vidas inocentes. Mas o dilema de Oppenheimer é ainda mais impressionante se considerarmos que a arma podia ter ido para as mãos da Alemanha nazista.
A ideia interessante por trás do filme está no fato de que ele sugere que o mundo seria muito melhor sem a ameaça nuclear. Mas que seria ainda pior se a Alemanha estivesse no controle da arma nuclear. Fala de um momento fundador da humanidade, um parto doloroso de um novo mundo, que nunca mais será como antes. Oppenheimer viu com nitidez o mundo muito pior, que sabia que estava surgindo depois dos cogumelos atômicos subirem sobre os céus do Japão.
A exploração do filme sobre o custo humano da bomba atômica atinge um acorde profundamente emocional para os espectadores japoneses, atingidos como nação de uma forma que reformou sua percepção como nação. Mas também sobre todos que vivem de perto da guerra na Ucrânia, onde a ameaça nuclear se revela cada vez mais próxima. Por meio de uma narrativa poderosa e visuais convincentes, o filme traz à vida as experiências angustiantes daqueles que testemunharam a devastação em primeira mão e expõe os horrores da guerra e a importância da paz.
O Japão teve sua parcela de cientistas e pesquisadores que enfrentaram dilemas morais durante a Segunda Guerra Mundial. O filme nos leva a refletir sobre a importância de defender padrões éticos e manter uma bússola moral clara, mesmo em tempos de conflito e pressão nacional.
Essa humanização dos cientistas serve como um lembrete claro de que os eventos da história não são meramente resultado de decisões sem rosto, mas estão profundamente entrelaçados com as emoções, convicções e medos de indivíduos reais.
O diretor também expõe a intrincada teia de interesses corporativos, onde as potências controlam a trajetória da pesquisa científica para promover suas ambições imperialistas. O filme retrata Oppenheimer como um peão nas mãos do complexo militar-industrial, enfatizando a capacidade inerente do sistema de manipular indivíduos talentosos para seus propósitos nefastos. Depois os descartam e destroem, como homens frágeis que são.
Além disso, a descrição do filme das lutas internas e dos dilemas éticos dos cientistas fornece um vislumbre das complexidades morais enfrentadas pelos envolvidos em projetos tão monumentais. Dentro de um sistema imperialista e belicista, mesmo aqueles com as melhores intenções podem involuntariamente contribuir para perpetuar a injustiça e o sofrimento.
O filme serve como um lembrete oportuno da importância de aprender com a história e lutar por um mundo onde os conflitos sejam resolvidos por meio da diplomacia e da compreensão, em vez de atos de guerra devastadores. Pode-se dizer que este é um filme muito atual, diferente de outros filmes sobre a guerra que soam como exercícios para mostrar o talento cinematográfico dos autores.
Apesar de mergulhar nas lutas pessoais de Oppenheimer, o filme pode ter falhado em explorar completamente o contexto social e político mais amplo que permitiu e incentivou o desenvolvimento da bomba atômica. Uma análise mais profunda das estruturas de poder e seu papel na formação de atividades científicas teria acrescentado mais profundidade e nuances à narrativa.
O dilema do personagem serve como um poderoso lembrete dos perigos das conquistas científicas divorciadas de considerações éticas e do bem-estar social. O filme nos leva a reavaliar a natureza das atividades científicas sob um regime de dominação imperialista e a necessidade de uma ordem global que priorize o progresso coletivo da humanidade sobre a ambição individual e os interesses corporativos. Embora não seja um retrato perfeito, o filme destaca efetivamente o custo humano da ambição científica quando ela é separada do bem-estar das pessoas e do bem maior da sociedade. É uma reflexão sombria sobre as possíveis consequências da exploração científica quando desconectada de objetivos humanistas.
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