01 novembro 2023

Montez Magno, presente!

Em entrevista à Continente, o artista Montez Magno reconhece a passagem do tempo e de que forma ela se anuncia em sua vida e obra

OLÍVIA MINDÊLO/Continente 01 DE JULHO DE 2015



Nem é preciso
 tanto tempo de conversa com Montez Magno para perceber que ele anda com certo “sentimento de urgência”. “Não tenho mais 50 anos”, repetiu umas duas vezes, pelo menos, durante a nossa conversa. O tempo, seu velho parceiro dos versos e das obras visuais, parece rondar com mais frequência agora suas preocupações cotidianas. “Eu compreendo isso e aceito”, disse ele, a respeito das limitações que seus 81 anos anunciam. Ao mesmo tempo, também reconhece que essa pressa de viver tem se revertido num ânimo criativo e produtivo em sua vida. De toda forma, pediu para que sua mulher, Miriam, listasse os trabalhos que estão na Galeria Pilar (SP), caso ele nos deixe. “Acontece. E não aconteceu recentemente com Antônio Abujamra? Você não sabe quando vai embora, tá brincando?”

CONTINENTE A morte o assusta?
MONTEZ MAGNO Não me assusta, mas a ideia de morrer e apodrecer me incomoda, principalmente a corrupção do corpo e eu não consigo vencer isso, sabe? Talvez seja esse o motivo de muita gente preferir ser cremada. Por exemplo, (Gilvan) Samico foi cremado, César Leal foi cremado… Só que eu não gosto de calor, não.

CONTINENTE Você seria o mesmo artista em um local frio?
MONTEZ MAGNO Não. Não precisava nem dizer frio, só bastava ser em outro lugar.

CONTINENTE Por quê?
MONTEZ MAGNO Por uma questão cultural. Toda a minha base da arte vem da infância. Morei dos oito aos 10 anos no alto Sertão, em Afogados da Ingazeira. Eu nasci em Timbaúba, mas, com quatro meses de idade, me trouxeram pra cá. Então, sou mais recifense do que timbaubense. As questões culturais influem muito. Por exemplo, o artista Anish Kapoor mora na Inglaterra, mas é de origem indiana. Se você analisar direitinho os trabalhos dele, têm muito a ver com a cultura indiana. Se ele tivesse nascido em Londres, com a cultura londrina europeia, possivelmente o trabalho dele seria diferente. Agora, pode acontecer o contrário. Por exemplo, fiz a série Tantra e a arte tantra é de origem indiana, nepalesa, daquela região ali. Então, a gente se pergunta: “Como é que você, nordestino do Brasil, faz coisas ligadas à cultura do Orie nte?” Aí vem uma coisa que está mais no âmbito espiritual do que propriamente regional, cultural. Desde criança, sempre tive uma ligação com a Índia, ao ponto de, aos sete anos, ter feito um quadrinho em vidro de uma paisagem indiana.

CONTINENTE E onde você viu essa paisagem?
MONTEZ MAGNO Ah, isso aí foi quando eu era aluno do Grupo Escolar João Barbalho, na Avenida Conde da Boa Vista (Recife). Foi um trabalho manual, mas por que escolhi essa imagem? Eu acho que copiei de alguma referência, não foi da minha cabeça. Mas eu fiz.

CONTINENTE Já foi à Índia?
MONTEZ MAGNO Infelizmente, não.

CONTINENTE Olha aí uma viagem especial para você fazer agora.
MONTEZ MAGNO Não, já passou. Agora não dá mais, não. Viajei muito na minha vida, mas na época certa. Dos 26 aos 60 anos, mas, aos 80, as pernas reclamam, fica difícil. Eu compreendo isso e aceito.

CONTINENTE Qual foi a última vez que você foi a Timbaúba?
MONTEZ MAGNO Faz uns cinco anos, fui com minha mulher, que precisava de um atestado meu de nascimento, para juntar uns documentos. Na certidão, dizia assim: “Nascido em 27 de julho de 1934, na rua tal, número tal”. Aí, eu disse: “Quero conhecer a casa onde nasci”. Fui lá, bati à porta e falei com o dono. Ele me deixou entrar com Miriam. Na verdade, eu queria saber o quarto onde eu tinha nascido, e ele não sabia, é claro. Mas só tinha dois quartos, então tinha que ser um dos dois, não é? Então, entrei, me concentrei para ver se sentia alguma coisa, mas não senti nada. Eu queria era ouvir um remoto choro de criança (risos). Depois, tirei um retrato meu na frente da casa e perguntei quanto custava o imóvel, podia ser algo para uma fundação. Mas ele deu um preço enorme. Tá doido!

CONTINENTE Você quer fazer uma fundação sua, Montez?
MONTEZ MAGNO Desde adolescente, faço arte com a maior convicção do mundo. Sempre pensei em fazer arte. Mas, para fazer uma fundação, tem que ter muito dinheiro e eu não tenho. O pessoal tem feito instituto, que é mais fácil. Mas eu não queria fazer instituto, não. Queria que fosse nem fundação, nem instituto. Vou ver ainda o que vai ser, vou pensar. Seria algo meramente cultural, como uma fundação é, com biblioteca, minhas obras, essas coisas.

CONTINENTE E quer fazer essa fundação em Timbaúba?
MONTEZ MAGNO Não. Seria no Recife, Timbaúba é uma espécie de pequeno túmulo.

CONTINENTE A questão do local tem uma importância grande na sua vida e no seu trabalho, tanto que a obra Reductio traz essa relação e tem o mapa de Pernambuco.
MONTEZ MAGNO Tem. Na verdade, o destaque maior é Olinda; de Pernambuco, eu passo para Olinda. Do lado direito da imagem, no final, tem Olinda e alguns dos trabalhos (em slide) que fiz no ateliê, quando estava lá. Morei muito tempo na Cidade Alta, fui o primeiro artista da minha geração a morar lá. De vez em quando, falam dos artistas de Olinda e não dizem que fui pioneiro. Me mudei para lá em março de 1957. Antes, eu estava aqui (na casa atual dele, em Casa Forte, no Recife), mas tive um desentendimento com meu pai, por imaturidade minha, e fui embora. Na época, eu trabalhava no Juizado de Menores, como oficial de justiça. Como eu tinha autonomia e independência financeira, fui para lá.

CONTINENTE E você não quis mais saber de trabalhar com mapa?
MONTEZ MAGNO Olhe, estou procurando um mapa da Argélia que comprei no Saara, porque estive lá em 1975, mas não estou achando. São dois mapas grandes e quero fazer um trabalho cujo título será exatamente Saara. Mas já procurei à vontade, esse menino que trabalha aqui também já procurou e a gente não acha, está socado não sei onde. Mas, como disse, viajei muito pelo mundo. Depois de Olinda, morei em São Paulo; de São Paulo, fui para Madri com uma bolsa de estudos. De Madri, fui para Milão, quando acabou a bolsa. Lá em Milão, terminei a série Morandi, que está lá no RioMar (shopping). De Milão, fui para Veneza. De Veneza, para a Grécia, onde passei outra temporada, e depois voltei para o Brasil. Andei muito pela Europa e fiz muita coisa, principalmente em Madri. Passei pouco temp o, um ano e dois meses, mas foi um negócio muito intenso, sabe? Em todos os sentidos. Um ano e dois meses que equivaleram a cinco.

CONTINENTE Quantos anos você tinha?
MONTEZ MAGNO Tinha 26, 27 anos.

CONTINENTE Bem na época do retorno de Saturno. É um período intenso da vida.
MONTEZ MAGNO Como?

CONTINENTE Diz a astrologia que a cada 27, 28 anos, Saturno entra na nossa casa solar e causa uma reviravolta na vida, porque representa reestruturação, mudança.
MONTEZ MAGNO É, foi muito intenso mesmo. Qual o seu signo?

CONTINENTE Sagitário.
MONTEZ MAGNO Ah, meu pai era sagitário também.

CONTINENTE E você é leão, não é? O signo do meu pai também.
MONTEZ MAGNO Sim, só que eu era leão, hoje sou cordeirinho.

CONTINENTE Dizem que leoninos são bem vaidosos.
MONTEZ MAGNO Eu não sou muito, não. Só um pouquinho, né? Todo mundo é um pouquinho, mas procuro encarar as coisas com o máximo de simplicidade. Até porque a vida é uma coisa danada, a gente vai perdendo os amigos… Muito triste. Ao mesmo tempo, não sei por que está me dando um certo ânimo de fazer as coisas, não paro de fazer, paradoxalmente. Mas não sei se é uma espécie de defesa ou de aproveitar o tempo que ainda tenho.

CONTINENTE Você tem alguma religião?
MONTEZ MAGNO Simpatizo com o budismo há muito tempo. Na década de 1970, li muito sobre budismo, zen-budismo, tantra. Mas não sei por que fui me afastando. E agora voltou o desejo. Tenho uma biblioteca só de livros desse tipo. Quero entrar novamente nesse universo místico e religioso. Por isso, estou com vontade de dar uma guinada na minha arte e transformá-la numa coisa mais leve. Está muito pesada.

CONTINENTE O que você chama de guinada na arte?
MONTEZ MAGNO Sair do geometrismo.

CONTINENTE De vez em quando você sai.
MONTEZ MAGNO É, saio, mas é porque estive observando umas coisas. Veja (Andrei) Tarkovsky, no seu filme Solaris (1972). Ele trata do tempo de uma forma! E tem lá uma cena inicial, com um riacho, umas éguas… A água está levando… É de uma beleza tão grande, de uma delicadeza… Aí eu pensei: “Por que não fazer uma arte assim?”

CONTINENTE Você trabalha diariamente?
MONTEZ MAGNO Não! De jeito nenhum. Não sou um artista burocrata. Tem gente que trabalha todo dia. Reynaldo Fonseca é todo dia. João Câmara é todo dia. Ismael Caldas é todo dia. Tem artistas que são funcionários públicos da arte. Não sou assim, só trabalho quando quero e tenho vontade. 


OLÍVIA MINDÊLO, jornalista, mestre em Sociologia pela UFPE.

A vida não se resume a um samba curto https://bit.ly/3Ye45TD

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