05 setembro 2025

Enio Lins opina

LFV: O radical sereno, conciso, filósofo do mais fino humor
Enio Lins  

LUIS FERNANDO VERÍSSIMO, falecido há sete dias, aos 88 anos, tem sido homenageado e referenciado ora como um “grande cronista”, ora como “grande humorista”, ora como “grande cartunista”, ora “grande intelectual”. Muito certo. Mas ele foi além. Foi tudo isso e mais alguma coisa ao mesmo tempo, sempre gigante em tudo que fez.

ENTRE SUAS OBRAS, aí inclusas inéditas, antologias e reedições, a Wikipédia listou 54 livros de crônicas e contos, sete novelas e romances, sete de relatos de viagens. Dentre os maiores sucessos, replico aqui a lista dos 12 livros publicada n’O Globo, como imperdíveis (modestamente, sigo o voto do relator): “Diálogos impossíveis” (2012), “Ed Mort” (2001), “Os espiões” (2009), “O melhor das comédias da vida privada” (2004), “Todas as histórias do Analista de Bagé" (2002)”, “Comédias para se ler na escola” (2000), “O clube dos anjos” (1999), “Aventuras da família Brasil” (2005), “As cobras” (1975), “As mentiras que os homens contam” (2000), “O opositor” (2004), “O jardim do diabo” (1987).

COMO DESENHISTA, seu traço foi o mais conciso, econômico ao limite, dentre todas as canetas minimalistas mais conhecidas em nossa história de cartuns, charges e quadrinhos. “As Cobras” são testemunhas dessa sucintice. Não sei quando adquiri, mas só sei que foi a primeira publicação dele depositada no meu ajuntamento de livros. As ofídias criaturas dialogam em tiradas filosóficas cortantes, por vezes ofídicas. Depois, comprei, na saudosa Caetés, um livreto da “Família Brasil”, tirinhas nas quais o pai de família é a cara do próprio autor, protagonizando um mar de perplexidades contemporâneas das classes médias. Esses desenhos, do grupamento familiar, têm um tico a mais de traços em relação às Cobras, mas seguem de extremo-minimalismo.

SER PARCEIRO GENEROSO foi outra marca de LFV, como assinava suas tirinhas. Quando considerava que alguns de seus personagens exigiam desenhos mais elaborados, ou no caso de criação conjunta, o inventor de “As Cobras” e “Família Brasil” repassava o lápis para colegas de traço mais detalhado, como Miguel Paiva, nos casos intricados do intrépido investigador “Ed Mort”, quadrinizado em 1985. O detetive virou filme, em 1997, com Paulo Betti no papel principal. Já “o Analista de Bagé” tornou-se HQ pelo desenho de Edgar Vasques, e fez-se peça de teatro, em 1983, com o ator Cláudio Cunha, percorrendo o Brasil durante muitos anos. Se formos falar das crias de LFV repaginadas para a televisão, a página não vai caber, daí cito apenas “A Comédia da Vida Privada”, série de sucesso na Rede Globo, inspirada em obra homônima de LFV, que ficou no ar por três anos, de 1995 a 1997, tendo como parceiros roteiristas como Guel Arraes e Jorge Furtado. Sendo conciso nestes itens, para destacar o um próximo, que considero de enorme valor, fiquemos por aqui. E sobre música e futebol, infelizmente, nem sobrou espaço.

MERECE DESTAQUE, dentre os destaques das obras de Luís Fernando Veríssimo, seu talento extraordinário como aforista. Ali ele condensava a pura filosofia ao essencial, tão bem-humorada quanto profunda. Seus aforismos são inigualáveis. Em meu campo de visão, apenas Millôr Fernandes e Nelson Rodrigues se ombreiam a LFV, no Brasil, nesse segmento. Cada qual no seu estilo, mas ouso ler as máximas de LFV como as mais instigantes, mais alvissareiras. Mesmo as mais ácidas, não trazem traço de amargor.

SELECIONEI 11 dos inúmeros axiomas fantásticos de Luis Fernando Veríssimo, escolhidos entre as ótimas coletâneas (re)publicadas ao longo desses recentes sete dias de réquiens: 1) “Quando a gente acha que tem todas as respostas, vem a vida e muda todas as perguntas”; 2) “Vivemos cercados pelas nossas alternativas, pelo que podíamos ter sido”; 3) “Não sei para onde caminha a humanidade. Mas, quando souber, vou para o outro lado”; 4) “Passamos a vida inteira nos preparando para nossa morte e quando ela vem não podemos assistir”; 5) “O mundo não é ruim, só está mal frequentado”; 6) “O futuro era muito melhor antigamente”; 7) “Você só sabe até onde pode ir quando já foi”; 8 ) “A verdade é que a gente não faz filhos. Só faz o layout. Eles mesmos fazem a arte-final”; 9) “A gente não faz aniversários. Os aniversários é que vão fazendo a gente. E depois, pouco a pouco, nos desfazendo”; 10) “Resignemo-nos à ignorância, que é a forma mais cômoda de sabedoria”; 11) “A morte é uma sacanagem. Sou cada vez mais contra”.

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Falava muito pouco, mas fazia o Brasil inteiro rir https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/08/um-estilo-unico.html

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