O vídeo e a rua na campanha eleitoral
Luciano Siqueira
A vinte e cinco dias do pleito, no Recife o sucessor do prefeito João Paulo parece já ter sido escolhido pela maioria dos eleitores. Todas as pesquisas publicadas confluem, resalvadas certas nuances metodológicas, para um mesmo resultado – a vitória do candidato João da Costa.
Vinte e cinco dias é muito tempo ainda, você pode objetar. E é. Mais: nossa história eleitoral é rica de exemplos de mudança de inclinação do eleitorado no curso da batalha, especialmente em sua fase derradeira. Mas é pouco provável que aconteça agora, até porque se trata de uma luta que se trava essencialmente no vídeo, sem grandes movimentações de rua.
O vídeo pode tudo, ou quase tudo – adverte o marqueteiro mais próximo. A TV constrói reputações com a mesma velocidade com que as destrói, é o que nos ensina o cotidiano de cidadãos cada vez mais presos à telinha e menos afeitos a manifestações em praça pública. Os adversários do candidato João teriam ainda, em tese, armas que bem utilizadas no jogo virtual da TV ainda lhes dariam alguma chance. Não parece provável, pois a eles falta um discurso convicente capaz de superar a idéia da continuidade da obra de governo que em oito anos tem dado certo e também a noção, forte no sentimento da população, de que há um lado a ser apoiado pelo voto, o lado do presidente Lula (que ostenta índices crescentes de aprovação).
Tudo bem. Conjecturas de lado, vale observar, na cena eleitoral, um detalhe que se afirma nesta eleição, mais ainda do que nas precedentes – o primado da TV sobre a rua. Não é na mobilização do povo que os candidatos apostam suas fichas, é no embate televisivo. E isto tem implicação para além da pugna eleitroral – é uma espécie de americanização das campanhas.
Já em artigo de 2004, aqui no Vermelho, fiz essa observação. A cultura e o pensamento social brasileiro sempre estiveram marcados por forte influência estrangeira- européia, norte-americana -, a ponto de só no início da década de 20 do século passado se iniciar uma produção intelectual de fôlego apoiada em nossa realidade, revelando-a e interpretando-a segundo abordagem própria. A Semana de Arte Moderna em 1922 e Casa Grande & Senzala, de Gilberto Freyre, concluído em 1933, são algumas referências importantes.
Esse conflito entre as influências forâneas e a cultura e a ciência social de matizes brasileiros continua muito presente na vida dos brasileiros. Em alguns casos, de modo até surpreendente, com a afirmação do que é nosso – a exemplo das redes de TV, que apesar de adotarem postura conservadora, firmaram uma dramaturgia essencialmente brasileira com um padrão técnico de elevada qualidade, reconhecido no mundo inteiro.
Mas quando o assunto é campanha eleitoral, dá-se o inverso. Os meios eletrônicos assumem papel de destaque, reduzindo a uma posição subalterna a abordagem do eleitorado pela via tradicional dos comícios, passeatas e outras formas de mobilização. Com um risco enorme: a poderosa e sofisticada linguagem do vídeo via de regra é empregada mais para artificializar a emoção do telespectador e espetacularizar a campanha do que propriamente expor a natureza dos problemas, as possíveis soluções e os compromissos públicos de cada candidato.
Quanto à rua, no Recife, tirante algumas poucas caminhadas nos bairros, placas, bandeiras e ruidosas biciletas de som ocupam o lugar das ações coletivas. Na campanha dos candidatos a vereador, então, o fenômeno beira ao exagero. Não se vê candidato na rua – este que lhes escreve, que acompanhado de grupos de militantes diariamente comparece aos semáforos de vias movimentadas e aborda eleitores em locais de grande concentração de transeuntes, parece ser, até prova em contrário, uma teimosa exceção.
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