Espontâneo? Nem tanto
Luciano Siqueira
Publicado no portal Vermelho www.vermelho.com.br
Tá legal, ir às ruas para protestar e reivindicar é um direito de todos. Mas é sempre bom jogar claro, sem subterfúgios nem engodos. É o mínimo que se espera do chamado Movimento contra a Corrupção, que voltou às ruas ontem.
Movimento espontâneo? Nem tanto. Entre os organizadores, a julgar pelas declarações à imprensa e mesmo pelo teor das reivindicações e propostas divulgadas, nele não há nenhuma criança. Demais, nos dias que correm não é lícito imaginar uma espontaneidade “pura” em nenhum movimento. Nem se emergisse das clausuras de um distante convento.
Suponhamos que as ligações partidárias do movimento estejam a segundo plano, mantidas discretamente. Mas quem disse que a grande mídia em nosso País não funciona que nem partido político – e francamente de oposição ao governo Dilma e à orientação geral seguida pelas forças que lhe dão sustentação?
Assim, agências de notícias, canais de TV e rádio só faltam combinar melhor a versão que lhes interessa. A começar do quantitativo de pessoas efetivamente participantes nas manifestações de rua. Falam de uma “segunda onda de protestos” (sic), pomposamente denominada de Marcha Contra a Corrupção, que teria mobilizado “milhares de manifestantes em várias capitais”. A maior manifestação, a de Brasília, uns dizem que reuniu vinte mil, outros, mais modestos, falam de 7 a 10 mil – numa nítida e mal alinhavada forçação de barra.
Depois, se exalta a suposta força das redes sociais, tidas aqui como meio “moderno” de despertar a reação de pessoas indignadas com a ordem vigente, à margem de partidos políticos e organizações sindicais e populares. Ou seja: se os partidos de oposição carecem de discurso e de credibilidade, a mídia endeusa o Twitter e o Facebook como canais “autênticos” de arregimentação de forças, onde joga suas fichas.
Na verdade, aconteceram ontem pequenas manifestações públicas, muito aquém do que se poderia esperar pela ampla divulgação midiática. O tema central é o combate à corrupção, associada à impunidade. E as causas? Bom, é melhor nem tocar nestas, porque implica em reformar o sistema partidário e eleitoral e, para cortar o mal pela raiz, adotar o financiamento público de campanhas.
Mas aí é querer demais, segundo o olhar das lideranças do movimento e de seus arautos na mídia. Melhor ficar como está, para que a força do poder econômico sobre as eleições fique intocada!
Cabe, portanto, analisar as bandeiras alevantadas por esse movimento “espontâneo” para constatar que ele tem lado e foco: é de oposição e pretende desgastar o governo, quem sabe para injetar ânimo na combalida oposição. Defende a autoridade do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) no controle sobre o Judiciário e a constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa, o que em si não deixa de ser positivo. Quer o fim do voto secreto parlamentar (reivindicação muito questionável). E tenta responsabilizar o governo federal pela corrupção, em termos evidentemente distorcidos.
Um caso emblemático de “espontaneismo dirigido”.
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