Sem linguagem
Matheus Landim
Pobre Hermann. Morreu sem dar uma palavra. Ninguém nunca soube o que ele realmente queria. Ninguém nunca soube com o que sonhava. Nunca chorou com palavras. Nunca gritou de raiva. Do padre, nunca ouviu um sermão. Nunca, a ninguém, teve que pedir perdão. Nunca ouviu música que acalmasse seu coração. Nunca citou Clarice. Nunca escutou Cartola. Nunca fez fofoca. Nunca perguntou a alguém a hora. Nunca escreveu um texto. Nunca olhou algo que o deleitasse. Talvez nem soubesse o que deleite era; tampouco pôde apreciar arte. Nunca dançou balé, nunca falou francês, nunca dançou forró, nunca cometeu erro de português. Nunca esculpiu um vaso de argila, nunca bebeu água de uma bica, nunca se viu nas fotos de família. Ninguém nunca lhe deu uma bronca, nunca ouviu um absurdo, nunca conheceu um anjo torto que lhe pudesse falar o que se passava no mundo. Nunca se decepcionou com a política, nunca nem desconfiou da Bíblia, nunca ficou com medo de um barulho no mato, nunca viu um vulto passar rápido. Nunca pintou quadro, nunca soube História, nunca viu imagem chocante, nunca ouviu discurso pedante. Nunca rasgou jornal, nunca folheou revista, nunca escreveu redação e nem sabia o que havia ocorrido entre os judeus e um tal nazista. Nunca gritou com a mãe, nunca pediu silêncio; nunca ouviu uma lenda, nunca reclamou da merenda. Nunca quebrou um copo, nunca comeu brigadeiro com a mão, nunca acompanhou a moda, nunca falou palavrão. Mil pessoas poderiam ter gritado em seus ouvidos e ele não esboçaria nenhuma reação! Nunca ouviu uma cigarra, um piano, uma flauta ou um tambor. O cachorro nunca latiu. O telefone nunca tocou. Esse era seu mundo: mundo surdo, mundo imóvel, mundo mudo, mundo cego, mundo bruto.
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