Luciano Siqueira
É bom
explicar. Toda vez que viajo, faço um esforço danado para marcar assento no
corredor. A janela não me interessa, faz-me sentir aprisionado lá no canto.
Para ir à toalete ou caminhar um pouco durante o voo, a gente tem que incomodar
os vizinhos. No assento do meio, nem pensar. Ali no aperto é difícil ler e
tomar notas, e ainda tem aquela disputa surda pelo encosto do braço. Já o
corredor é uma tranquilidade. Liberdade de ação, visão privilegiada e divertida
do movimento de comissários e comissárias e de passageiros.
Pois
bem. Num voo da Gol em que precisava tomar notas para uma reunião do PCdoB, a
jovem lourinha sorridente, bermuda curtíssima e discreta argola no nariz diz ao
garoto que “espere, mamãe vai já pra aí” e de pronto me pede para trocar de
lugar para um assento E – no terrível meio! O garoto, do alto dos seus talvez
sete anos, responde com um sonoro “não precisa, mãe!”.
Estimulado
pelo grito de independência do pequenino e ansioso por voltar às minhas
anotações, encaro a mãe que não tem jeito de mãe e mais parece uma filha
adolescente, peço desculpas e me recuso a trocar de lugar, alegando a
necessidade de escrever. Ela sorri um sorriso sem graça, pronuncia um
burocrático “não se preocupe, eu entendo, imagina!” e se aboleta ao meu lado.
No meio.
E cadê
a concentração para continuar escrevendo? Afinal, desde quando enveredei pela
pediatria e me dediquei ao estudo da psicologia evolutiva, sempre soube que
mães e filhos não devem viver grudados um ao outro. É bom que a mãe trabalhe,
os filhos aprendam na prática que todas as pessoas precisam conquistar o seu
sustento com esforço e que lugar de mulher não é na cozinha. Mães e pais devem
dedicar atenção aos filhos, muito amor, sem jamais superprotegê-los. Vale a
qualidade da atenção, não necessariamente a quantidade. Por outro lado, a vida
é uma selva - garotos que desde cedo se mostram independentes serão adultos
corajosos e altivos.
Pensava
tudo isso evitando olhar a jovem mãe ao meu lado. Meio convicto, meio
envergonhado. Entre o carinho materno e o infante se interpunha a sisudez do
militante austero que não podia sacrificar duas horas e meia de trabalho em
nome da cortesia.
Mas
fui salvo pelo gongo. Alguém se mudou para o fundo da aeronave e a mãe
adolescente me pediu licença, iria finalmente ao encontro do filhote, sem
causar incômodo ao vizinho intransigente. A paz retornou ao ambiente e pude
voltar ao trabalho.
Agora,
passada a agonia, posso contabilizar a minha modesta, porém oportuna
contribuição à educação de pais e filhos. Assim penso – para aliviar a culpa
por ter mantido por alguns minutos uma mãe insegura diante de um filho que não
estava nem aí, preferia viajar sozinho.
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