Luciano Siqueira
Publicado no portal Vermelho
e no Blog de Jamildo (Jornal do Commercio Online)
Desde junho, há uma nova situação política no País. Eclodiram
manifestações de rua de certa envergadura, que se desdobram em inúmeras lutas
setoriais e localizadas; a oposição partidária e midiática se assanhou; setores
conservadores da base governista passaram a ensaiar a dissensão. Ao que se
acrescenta o desgaste momentâneo do governo e da presidenta Dilma, pondo em
risco o resultado do pleito vindouro.
A variável povo nas ruas é, em princípio, muito bem-vinda. A
pressão popular, bem direcionada, pode desequilibrar a correlação de forças em
favor do centro-esquerda interessado em avançar nas mudanças em curso.
Mas, nem tudo o que reluz é ouro. Há três elementos negativos
na cena política que favorecem as forças do retrocesso.
Inspirado no mais rasteiro corporativismo, mesclado de
xenofobia absurda, surge o movimento das entidades médicas contrário à vinda de
profissionais do exterior. Ao invés de debater a essência do Programa Mais
Médico, inclusive os aspectos relacionados com o provimento de condições de
trabalho satisfatórias e o entrelaçamento com a luta pela criação da carreira
na estrutura estatal, lança mão de argumentos tão improcedentes quanto
deploráveis, desde uma suposta incompatibilidade linguística e cultural entre
os que vêm de fora e a clientela local, como se no mundo inteiro experiências
semelhantes não ocorressem exitosamente. E ainda incorpora o preconceito contra
os médicos cubanos, meio de atingir Cuba socialista.
Outro elemento nefasto reúne grupos de “ultra-esquerda”,
anarquistas e mercenários a soldo da direita, que tentam imprimir a marca da
baderna e da violência inconsequente à luta por bandeiras justas, relacionadas
com o transporte e com a melhoria dos demais serviços públicos essenciais à
população de nossas cidades. A ação desses grupos recebe amplo espaço na grande
mídia, justamente porque podem vir a ser fator de desestabilização democrática.
O terceiro é o modo atabalhoado como a franja conservadora,
de matizes mais à direita ou centrista, que atua numa espécie de limbo
temporário, tenta forjar a todo custo alternativas à presidenta Dilma nas
eleições presidenciais. Aí sobra retórica e falta conteúdo. Nenhuma
contribuição relevante ao necessário debate sobre os rumos do País.
Nesse contexto, ocorre a disputa pelo rumo das manifestações
de rua. As legítimas representações populares e democráticas, que pautam de há
muito os temas emergentes em junho, têm diante de si a tarefa estratégica de
elevar o nível e a amplitude dos movimentos reivindicatórios, combinando
pleitos setoriais e locais com bandeiras de cunho nacional – as reformas
estruturais em especial.
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