O
abuso de autoridade e o juiz Moro
Roberto Requião, CartaCapital
O
juiz Sérgio Moro publicou em jornais desta terça-feira (25) um arrazoado contra
o Projeto de Lei de abuso de autoridade. Citando especialmente a experiência
norte-americana, complementada por argumentos de Rui Barbosa, ele pretendeu
congelar no início do século passado e trazer para hoje conceitos de direito
que estão inteiramente superados pela atualidade.
Ninguém
é contra a independência da Magistratura, do Ministério Público e de
autoridades democraticamente constituídas. Mas é um retrocesso na estrutura
legal de qualquer democracia possibilitar que essas autoridades, abusando de
direitos do cidadão, abusem da própria dignidade de sua investidura. Não se
trata apenas de juízes. Trata-se do guarda da esquina que aborda um motorista
para achacá-lo.
O
exemplo norte-americano sobre a tentativa de impeachment do juiz Samuel Chase,
da Suprema Corte, não tem pertinência para a discussão do Projeto de abuso de
autoridade. O impeachment foi aprovado pela Câmara, mas rejeitado pelo Senado.
O que tem isso a ver com um eventual processo por abuso de autoridade que venha
a ser promovido sob os ditames do Projeto de Lei que estamos discutindo?
Absolutamente
nada!
O
Projeto remete ao próprio Judiciário o julgamento do eventual processo por
abuso de autoridade. Estaria, acaso, o juiz Moro com medo de ser julgado por
seus próprios pares, no caso improvável de ser denunciado por abuso de
autoridade? Não cuidariam esses pares de repelir qualquer denúncia improcedente
contra ele? Por outro lado, se a denúncia fosse acatada, não seria forte
indício de cumprimento da justiça?
Mais
adiante observa o juiz que “o projeto não contém salvaguardas suficientes” para
o exercício da Magistratura. O Projeto afirma que “a interpretação não
constituirá crime se for “razoável”, mas “ignora que a condição deixará o juiz
submetido às incertezas do processo e às influências dos poderosos na definição
do que vem a ser uma interpretação razoável. Direito, afinal, não admite
certezas matemáticas. ”
Aqui
está um ponto extremamente relevante. O juiz Moro, também nesse caso, não
confia na interpretação dos seus pares da palavra razoável.
Além disso, sustenta que “direito, afinal, não admite certezas matemáticas”. Á
vista disso, devíamos temer ainda mais o abuso de autoridade, pois entre a
dúvida e a certeza matemática o juiz poderia extravasar de forma totalmente
aberrante a sua autoridade em detrimento do cidadão.
Como
se não bastasse, o § 1º do art. 1º do Substitutivo que apresentei traz uma
indiscutível salvaguarda – deliberadamente ignorada pelo Juiz Moro – pois
exige, para a configuração do crime, a presença do dolo específico. Vale dizer,
ainda que a divergência não seja considerada razoável, isso não implica o
cometimento do crime, pois imprescindível o dolo de prejudicar outrem ou de
obter benefício para si ou para terceiro, ou ainda para mera satisfação
pessoal.
Em
síntese, o juiz, a cujo trabalho, junto com o dos promotores da Lava Jato não
tenho poupado elogios, não parece muito preocupado com as raízes históricas do
Direito. Não estou tratando de definição de prerrogativas e deveres de
funcionários públicos. Estou tratando exclusivamente de abuso de autoridade. A
Magistratura deve ter toda a liberdade na sua ação, exceto a de violar direitos
da cidadania por abuso de autoridade.
Essa
é uma prerrogativa essencialmente civil, protegida pelo Direito Penal, na
relação do cidadão com o Estado. Nenhuma autoridade pública que exerça
autoridade de forma competente e responsável, sem abuso, deveria se opor ao
Projeto de Lei em tramitação. A alegação que servirá para dar cobertura aos
ricos e poderosos é infame. Ao contrário, ela protegerá sobretudo o pequeno,
aquele que só tem a lei para protegê-lo de uma autoridade opressiva.
Aos
meus pares no Senado, gostaria de perguntar, com o coração aberto: a quem acham
que estão defendendo ao se oporem de forma tão determinada ao Projeto de abuso
de autoridade? Aos pobres, aos perseguidos por autoridades que abusam do poder,
ou aos promotores e ao juiz da Lava Jato, que tendem a funcionar como uma casta
acima do bem e do mal?
Roberto
Requião é senador da República no segundo mandato. Foi governador do Paraná por
três mandatos, prefeito de Curitiba e deputado estadual. É graduado em direito
e jornalismo com pós graduação em urbanismo e comunicação.
Leia mais sobre temas da
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