Por que os bancos lucram muito mesmo quando a
economia vai mal?
Quatro
economistas ouvidos por CartaCapital avaliam a relação entre crescimento da
economia e o lucro do sistema financeiro.
O Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou na manhã da quinta-feira
1 qual
foi o crescimento da economia brasileirano ano passado. O resultado
foi aquele que economistas, especialistas, integrantes do mercado financeiro e
o próprio governo já esperavam: não
passou do 1%.
Embora o número seja
positivo, trata-se de uma expansão bem modesta considerando os tombos de 3,6% e
3,8% de 2016 e 2015 (ambos resultados revisados para 3,5% posteriormente), que
sucederam um irrisório 0,1% em 2014. A economia como um todo sofre, mas pelo
menos um setor parece não se abalar: os bancos.
Para entender porque
há um descompasso entre os crescimentos da economia e do lucro dos
bancos, CartaCapital ouviu quatro economistas,
com uma só pergunta: por que os bancos lucram muito mesmo quando a economia vai
mal? (Confira as respostas aqui)
O Brasil tem cerca de
150 bancos autorizados a funcionar, mas dados do Banco Central mostram que
apenas os quatro maiores - Banco do Brasil, Bradesco, Caixa Econômica Federal e
Itaú - detêm 73% do total de ativos do sistema e 80% do crédito concedido
no País. Excluídos Banco do Brasil e Caixa Econômica, bancos públicos, o
Santander entra no ranking.
No ano passado, o
Itaú lucrou 24,9 bilhões de reais, o Bradesco 19,1 bilhões, o Banco do Brasil
11,1 bilhões e o Santander 9,9 bilhões, crescimentos de 12,3%, 11,1%, 55% e
35,6%, respectivamente.
É importante lembrar
também que mesmo mantendo um patamar nominalmente elevado, o lucro dos bancos
teve retração em 2016, segunda ano de encolhimento da economia. Na comparação
com 2015, uma queda de cerca de 20% de acordo com dados da consultoria
Economatica.
Ainda assim, o lucro
líquido das quatro maiores instituições financeiras com ações listadas na
Bovespa - Itaú, Banco do Brasil, Bradesco e Santander - somou 50,29 bilhões em
2016. Os números mostram que mesmo demorando mais para sentir os efeitos
da recessão os bancos se recuperam mais rapidamente dela. No ano anterior,
quando a economia já havia retraído 3,8%, esses bancos lucraram 62 bilhões de
reais.
A concentração do
sistema financeiro, que limita a concorrência, explica parte dos números, mas
especialistas mencionam também a inovação tecnológica do setor e a demora
da queda
na taxa básica de juros chegar de fato ao consumidor.
A baixa concorrência está, inclusive, na mira do próprio Banco Central,
que agiu para reduzir os juros mas não viu resultados no crédito. A partir de
agora, o BC terá a palavra final em atos de concentração (fusões e aquisições
de empresas) que envolvam algum risco à solidez e estabilidade do Sistema
Financeiro Nacional. O entendimento está em um memorando assinado pelo BC e
pelo o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) na quarta-feira 28.
O memorando inclui ainda o compromisso do BC e do Cade de reverem suas
regulamentações, se necessário, e de trabalharem conjuntamente pela aprovação
de um projeto de lei complementar que seguiria as linhas gerais estabelecidas
no documento, mas que trará maior segurança jurídica e previsibilidade para a
defesa da concorrência no sistema financeiro.
Confira as respostas de quatro economistas para a questão "por que
os bancos lucram muito mesmo quando a economia vai mal"?
Fernando
Nogueira da Costa, professor do Instituto de Economia da Unicamp e
ex-vice-presidente da Caixa Econômica
A oferta de crédito
depende da demanda representada pelo ritmo de produção, porém, as duas outras
funções dos bancos - captar e administrar recursos de terceiros e viabilizar o
sistema de pagamentos - só indiretamente depende do crescimento da renda, pois
a circulação monetária e financeira se mantém na depressão. Não se cria muitos
ativos novos, mas continuam as transferências de propriedades dos ativos
existentes.
Em geral, no ano passado, os maiores bancos reduziram a concessão de crédito. A taxa de inadimplência das operações de crédito do sistema financeiro, considerados os atrasos superiores a noventa dias, manteve trajetória de queda, embora pequena, situando-se em 3,2% (-0,5 p.p. doze meses). Com a reversão de parte das provisões para devedores duvidosos (18% das despesas financeiras), o resultado melhorou.
Em geral, no ano passado, os maiores bancos reduziram a concessão de crédito. A taxa de inadimplência das operações de crédito do sistema financeiro, considerados os atrasos superiores a noventa dias, manteve trajetória de queda, embora pequena, situando-se em 3,2% (-0,5 p.p. doze meses). Com a reversão de parte das provisões para devedores duvidosos (18% das despesas financeiras), o resultado melhorou.
Cada banco gigante
possui seu nicho de mercado, mas todos exploram uma grande rede de varejo que
permite captar com valores reduzidos em relação ao CDI (taxa das transações
interbancárias): milhões de cartões de crédito e débito com os quais ganha
taxas de desconto nas vendas de varejo e explora crédito rotativo; o baixo
risco do crédito consignado, que representa 65% do crédito pessoal; o crédito
imobiliário que permite relacionamento fidelizado com os clientes em longo
prazo; o crédito para veículos com a garantia da alienação fiduciária, etc
Também a gestão de
ativos das grandes fortunas em Private Banking e soluções para corporações são
fatores explicativos do bom desempenho bancário, bem como a administração de
fundos e atuação internacional.
João Ildebrando
Bocchi - professor do Departamento de Economia da PUC-SP
Esse lucro extremamente elevado explicita qual é o papel dos bancos na
economia, que não é fornecer
recursos para investimento, recursos em prol do crescimento.
Então os bancos, como empresas, são competentes, fazem um conjunto de
ações, elevam taxas, sem o compromisso com o crescimento e o desenvolvimento.
Nós temos, ou tínhamos, o BNDES, que está com cada vez mais dificuldades,
o setor
público está manietado também nesses últimos ano.
Os bancos privados nunca foram voltados para o crescimento, mas em momentos
de crise isso fica mais explícito, uma situação aparentemente absurda, onde se
tem uma grave recessão, ou uma taxa de crescimento muito baixa, e os bancos com
lucros exorbitantes.
Os bancos deveriam lucrar
menos com baixas taxas de juros. Quando a taxa básica de juros está
baixa, em princípio as taxas cobradas em toda a economia deveriam cair
bastante. Mas por vários elementos, no Brasil não acontece isso. A distância
entre o custo do dinheiro para o cliente final e a taxa Selic é de três ou
quatro vezes no crédito mais barato, no capital de giro por exemplo. É uma
situação anômala e talvez o Brasil seja o único país do mundo nessa situação.
Esse resultado mostra as contradições, mostram como o capital financeiro
acaba dominando a economia brasileira.
João Ricardo Costa -
professor de economia do Ibmec/SP
Em valores absolutos,
os lucros dos bancos são expressivos (já a taxa de retorno sobre o patrimônio
não, pois é semelhante à de outros setores) e aumentaram mesmo durante a
depressão econômica. Um
dos motivos é a inovação. Ao utilizarem novas
tecnologias nos seus processos, os bancos podem diminuir custos, tornando-se
não apenas mais eficientes, como mais lucrativos.
Outro motivo se dá
pelos juros
básicos da economia, que antes da crise são mais altos e, portanto,
proporcionam alternativas atraentes para aumentar o lucro sem incorrer nos
riscos e custos da intermediação financeira, gerando ganhos defasados em
relação ao ciclo econômico.
Finalmente, a baixa
competição no setor é outro importante fator. Existem barreiras para que novas
empresas/tecnologias aumentem a competição, o que proporciona poder de mercado
aos bancos. Iniciativas como o cadastro positivo, por exemplo, visam diminuir
essas barreiras.
Rafael Schiozer,
professor de Finanças da Fundação Getulio Vargas
A percepção de que o
lucro dos bancos cresce quando a economia vai mal é falaciosa. Tomemos como
exemplo o ano de 2016, em que o PIB caiu 3,5%: os lucros dos quatro maiores
bancos do país (Itaú, Bradesco, BB e CEF) diminuíram em relação ao ano anterior
(na CEF caiu mais de 40%).
O principal motivo do
crescimento no lucro dos bancos em 2017 foi a melhora do ambiente
macroeconômico, pois o PIB voltou a crescer no ano. O nível de inadimplência
caiu em 2017, resultando em menores perdas no crédito.
A expectativa de uma
economia mais forte em 2018 permitiu uma redução nas despesas com provisões,
que refletem a perda que se espera ter nas operações de crédito vigentes, o que
também impactou positivamente o lucro de 2017.
Finalmente, no caso
específico do Banco do Brasil, uma gestão mais profissional e voltada para
resultados permitiu um crescimento de 4 bilhões de reais no lucro de 2017 (mais
de 50% em relação a 2016), o maior crescimento entre os grandes bancos.
Leia mais sobre temas da atualidade: http://migre.me/ kMGFD e acesse o canal ‘Luciano
Siqueira opina’, no
YouTube http://goo.gl/6sWRPX
Nenhum comentário:
Postar um comentário