Os descanteiros
Marcelo Mário de
Melo
(Aos pobres que agonizam sem socorro e aos corpos insepultos
na pandemia)
Feito couraça
o coração se acostuma
à dor
à morte alheia
anônima
fria
estatística
que desgermina
dessementeiras
do ter
não ter.
Desflorações plurais
de largo fôlego
e antigo tempo escravo
descanteiros múltiplos
irrigados em sangue
abrindo leques.
As dessementeiras
dão sinais
rotas rotinas
nas ruas da cidade
pulsações de dor
múltiplicadas
em preto e branco
desvivendas periféricas
à margem
e no centro
catadores
de emprego e lixo
mendicantes
e ensaios
de empreendedorismo
de corda no pescoço
por esquinas e cruzamentos
juntando moedas
para uma rejeição.
Mas há momentos
em que os frutos podres
dos descanteiros
se exacerbam
nas filas de espera
de corpos agonizantes
e cadáveres insepultos.
Aí então
na couraça-coração
faz-se uma fenda
e brotam
lágrimas de sangue
a cada dor
a cada vida.
E se vão irrigando
mesmo que em sonho
e gesto frágil
canteiros sãos
onde vicejam
flores ao sol
sem dor nem morte.
* Do livro em andamento Poesiavírus
[ILustração: Lasar Segall]
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