26 maio 2020

Cada um em seu quadrado


Todos os grandes craques precisam achar sua referência
Messi só se tornou o maior do mundo quando passou a jogar por todo o ataque
Tostão, Folha de S. Paulo

O ser humano é dividido entre a mente pensante, a consciência, o racional, e o corpo, com sua natureza animal e inconsciente. Essa dualidade é uma das dificuldades de várias pessoas fazerem o isolamento social. O inconsciente se acha imortal. Segundo Freud, o inconsciente não conhece o tempo nem a morte. Por isso, algumas pessoas enfrentam o perigo, a guerra e a pandemia de peito aberto, sem cuidados. Acham que só os outros morrem.
Lamentável a situação caótica do Cruzeiro, vítima de barbaridades dos dirigentes.A dívida é maior que R$ 800 milhões. O clube já foi punido pela Fifa com a perda de seis pontos na Série B, e pode ser pior, se não pagar outros credores. Pode cair para a Série C. Aguardo o término da investigação da Polícia Civil e do Ministério Público. Foi eleito um novo presidente, o jovem Sérgio Santos Rodrigues, mas só até dezembro.
Dias atrás, assisti, no futebol da saudade, a mais um Real Madrid e Barcelona, em 2005. Estavam presentes Ronaldo, Zidane, Ronaldinho (era o melhor do mundo), Xavi e os jovens Iniesta e Messi, com 18 anos, além de outros grandes jogadores. O técnico do Real era Luxemburgo, e o do Barcelona, Rijkaard, antecessor de Guardiola. Mesmo em Madri, terminou 3 a 0 para o Barcelona, com dois gols de Ronaldinho e um de Eto´o.
O torcedor do Real Madrid aplaudiu de pé a um dos gols de Ronaldinho. Quando vemos esses lances, volta a discussão sobre o motivo de ele só ter brilhado intensamente por dois anos, quando ganhou os dois títulos de melhor do mundo. A maioria diz que Ronaldinho se desconcentrou e que queria apenas se divertir com o futebol.
Não vejo assim. O Barcelona foi a exceção na carreira de Ronaldinho. Ele encontrou, no estilo da equipe e na cidade do genial Gaudí, o ambiente ideal para mostrar toda sua técnica, inventividade, fantasia e lances com belos efeitos especiais. Ele nunca teria as mesmas condições em outra equipe. A expectativa de que ele repetisse aquelas atuações era tão grande, que gerou muitas decepções.
Luxemburgo, quando voltou de Madri, disse que seu erro foi se comportar como um Zé Mané, inibido pela grandeza do clube e de seus craques. Vou além. Acho que ele sentiu falta da bajulação que tinha no Brasil, elogiado como o maior estrategista do mundo. No Real, era mais um técnico.
Em 2005, o garoto Messi já mostrava seu talento, atuando aberto pela direita, como um ponta. Sua jogada, no gol de Eto´o, foi belíssima. Com o tempo, Messi encontrou seu lugar. Teve um bom momento como centroavante, com Guardiola, mas só se tornou o maior do mundo quando passou a jogar por todo o ataque, geralmente saindo da direita para o centro.
Todos os grandes craques precisam encontrar sua referência, como ocorreu também com Cristiano Ronaldo. No Manchester United e no início do Real Madrid, ele era um atacante pelo lado. Atacava e defendia. Com o técnico Ancelotti, se tornou um segundo atacante pelo centro, fazendo dupla com Benzema. Virou um monstro.
Encontros importantes acontecem de repente, em uma fração de segundos, e podem criar uma longa história. No primeiro treino que fiz ao lado de Dirceu Lopes, no Cruzeiro, na equipe titular, em 1963, ambos com 16 anos, parecia que jogávamos juntos há mil anos.
Todos nós precisamos encontrar ou reencontrar nosso lugar, no mundo e nas atividades profissionais. Os encontros, muitas vezes, são reencontros com o vivido e/ou com o imaginado.
[Ilustração: Luis Rocha]

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