Liberdade para quê?
Thiago Modenesi
Muito se fala nesses últimos dias no Brasil sobre “liberdade”, parece que estabelecer parâmetros legais que condicionam o que podemos ou não fazer virou algo absurdo na cabeça de alguns, por sorte, da minoria e não da maioria.
Thiago Modenesi
Muito se fala nesses últimos dias no Brasil sobre “liberdade”, parece que estabelecer parâmetros legais que condicionam o que podemos ou não fazer virou algo absurdo na cabeça de alguns, por sorte, da minoria e não da maioria.
Levando
em conta que somos interdependentes, afetamos uns aos outros, vivemos em
sociedade, não há como o que é importante para mim (ainda mais se for um
capricho), se sobrepor às necessidades coletivas.
Quem
inventou isso não foi nem um comunista, nem uma pessoa de esquerda, nem
tampouco o que hoje se chama de “progressista”. A invenção do Estado tem a ver
justamente com limites: Thomas Hobbes, Montesquieu e outros levantavam que os
tais limites eram necessários. Na verdade, abrimos mão da nossa plena
liberdade, da liberdade que existia nas comunas primitivas, nas sociedades
originalmente matriarcais e gens iroquesas estudadas por Friedrich Engels para
nos moldarmos a uma nova proposta de sociedade, em busca de algo que nos
oferecesse estabilidade, limites que mantivessem a todos relativamente seguros,
com direitos que limitam uns aos outros, na prática.
Saímos
das sociedades em que dividíamos as coisas entre nós, do sistema de trocas,
escambo, da produção apenas do necessário, do excedente trocado, para uma que
nos garantisse o direito a ficar vivo e protegido pelo Estado em si. É verdade
que tal construção tinha um componente da proteção do patrimônio, da riqueza e
do acúmulo de propriedades por parte da burguesia ascendente, mas se vendia a
ideia para o conjunto da população da igualdade política, dos direitos,
deveres, inclusive da liberdade em si. Realmente há uma mudança na vida das
pessoas, mas há mais obrigações, mais deveres acompanhando os direitos, mais
leis.
Para
estarmos seguros mandamos a plena liberdade às favas. Desde a criação do Estado
e sendo essa uma criação do homem, o mesmo se configura como a única estrutura
da qual nunca nos libertaremos até os marcos atuais, sejam em países
capitalistas ou socialistas. Sempre somos coagidos pelas leis de um Estado
Nacional. Mesmo quando mudamos de país apenas mudamos de leis, mas por todo o
planeta a nossa existência é limitada ao que prevê a lei. Esta é um acordo
escrito entre os homens, um contrato social, pensado inicialmente por John
Locke e Thomas Hobbes, que garante liberdade, mas a tal liberdade sempre, mas
sempre mesmo, é relativa e não absoluta, por levar em conta a interdependência
que marca a vida em sociedade, em como as ações de um afetam o outro. Não
existe Direito absoluto.
Por
isso, bradar por liberdade no mundo de hoje, no Brasil de 2020, vai contra tudo
aquilo em que acredita a própria burguesia, todo o sistema criado e aprimorado
por vários teóricos, que garantiram que trocássemos a liberdade plena pelos
direitos circunscritos por lei, que, em tese, dariam um equilíbrio entre os
pares, com direitos e deveres nivelados pelas normas. Querer sair durante a
quarentena ou não usar máscara, alegando que você tem esses direitos nem é
verdade, o decreto-lei que está em voga no momento – criado em função da
Covid-19 – não deixa você fazer isso por um motivo simples: sua ação afeta a
vida de outra pessoa, sendo assim, afeta a segurança da mesma e a liberdade
dela não ser contaminada por você. Gerando desconforto, tal ação requer medida
coercitiva por parte do Estado, amparado pela Lei.
Assim
como, fora da pandemia, você não pode sair pelado na rua, estacionar onde quiser
entrar na hora que quiser em um estabelecimento público ou privado, levar
qualquer coisa que não seja sua pra casa… porque o que você faz afeta os demais
e as leis impedem tais ações.
A
única maneira de acabar com isso, de ser plenamente livre, é destruir o Estado.
Se você defende isso, acha que a sociedade já chegou a um grau de maturidade
que o permita, meus parabéns: você está pensando como um defensor da sociedade
de tipo comunista, em que teríamos condições de viver como irmãos,
compartilhando o produzido, sem mediação do Estado para garantir a equalização
dos Direitos.
[Ilustração: Pieter Cornelis Mondriaan]
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