As tais fotografias
Cícero Belmar*
Um amigo recebeu e me repassou, pelo
WhatsApp, fotos da Terra feitas a partir de uma estação espacial em órbita ao
redor do planeta. É uma sequência com muita qualidade técnica e uma resolução
perfeita. Um conjunto de imagens, pelo menos para mim, inédito. Também há um
vídeo curtinho gravado pelo astronauta: vemos parte do globo, um globo azulado,
as nuvens em movimento, e o silêncio cósmico.
Não se vê o
astronauta, mas por uns segundos, aparece a mão dele (com luvas espaciais)
encaixando um certo equipamento no outro, utilizando um mosquetão, desses que
são usados por escaladores. (Deve estar fazendo um experimento a bordo ou
coletando dados, isso não fica claro). Afivela uma peça, libera uma mangueira
branca sanfonada e posiciona ainda mais aquilo que parece ser a câmera. Nesse
movimento você se dá conta que o vídeo é real e não filme de Hollywood.
As imagens,
raridade. O primeiro espanto é ver a Terra pela perspectiva de um ponto que
está acima dela, sem ser computação gráfica. Pela abertura da cápsula onde o
astronauta está alojado, surge o globo “lá embaixo”. Vê-se que a estação
espacial tem uma parafernália de radares, painéis solares, microfones, braços
telescópicos. A sequência de fotos, que segue após o vídeo, vem da observação
daquele astronauta.
É uma coisa idiota
constatar o lógico: para aquele lado onde bate a luz do sol, atribuímos um
nome. E outro para a sombra que se apresenta, no lado seguinte do globo. A esse
movimento tão óbvio, que alterna a luz e a escuridão misteriosa da vida, é o
que chamamos de tempo. A subjetividade absoluta do tempo.
Se é algo
emocionante ver essas imagens do nosso Planeta em “tempos” normais, muito mais
comoventes elas se tornam nessa época de pandemia (ainda eu as imagens não
sejam de um passado próximo). Diante daquele gigante forte e coeso que boia, no
universo, descobrimos fatalmente que não é o mundo quem adoece. Nossa
humanidade, sim. (Bossais, não estamos prontos sequer para enfrentar doenças).
Estamos sendo
monitorados, mas é uma contradição, pois do alto não se sabe o que se passa cá
embaixo. Só se vê extensões de terra afastadas por oceanos de cor esmeralda.
Definitivamente, o Planeta não precisa de nós para ser bonito. Seres humanos,
somos tão pequenos que nem mesmo as potentes câmeras podem nos captar.
(Permita-se a este exercício de imaginação: faça de conta que você está ao
redor de um buraco, observando, da beira, o que há na profundidade dele. É
impossível ver o que as formigas fazem lá embaixo).
Uma das fotos é
punk. Capta uma região da Terra no exato momento de uma queimada. Alguém se
sentiu no direito de ferir aquela beleza. A maldade de nossos corações é pior
do que a pandemia que desconhece fronteiras e nos prende em quarentena. (Por
que somos tão fúteis?).
*Cícero Belmar é
escritor e jornalista. Autor de contos, romances, biografias, peças de teatro
e livros para crianças e jovens. Membro da Academia Pernambucana de Letras.
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