A resposta chinesa à guerra comercial
Como num jogo de weiqi, China
busca vantagem relativa em vez da confrontação
Tatiana Prazeres, Folha de S. Paulo
Chineses
jogam weiqi, e os ocidentais, xadrez. Henry Kissinger,
no seu livro "Sobre a China", recorre aos jogos de tabuleiro ao
analisar as visões diferentes dos dois lados a respeito de estratégia e
confrontação.
Se o xadrez
valoriza a batalha decisiva, o weiqi —ou go, como também é conhecido— consiste
numa campanha prolongada. O jogador de xadrez quer a vitória absoluta, o
xeque-mate. O de weiqi busca gradualmente acumular vantagem relativa para
cercar o oponente.
O
tabuleiro guarda paralelo com a vida real, segundo Kissinger. Sua reflexão faz
pensar na resposta dos chineses à guerra comercial.
Pequim evitou
confrontação direta, respondeu de maneira relativamente moderada à sequência de
medidas americanas. Diante de barreiras tarifárias por parte dos EUA, os
chineses retrucaram
com tarifas, mas sempre num tom menor que o dos americanos.
Não
restringiram investimentos dos EUA na China. Seguiram abrindo o mercado a
conta-gotas, mas permitiram acesso, por exemplo, ao seu cobiçado setor
financeiro por parte de gigantes como Mastercard e JPMorgan.
Pequim jogou
o jogo ao permitir que o presidente-candidato
Trump cantasse vitória com seu chamado acordo fase 1 em
janeiro de 2019 —um proto-acordo anunciado com fanfarra, mas de resultados
duvidosos.
Com
tudo isso, a China está
apenas administrando as tensões. Em paralelo, busca caminhos que lhe deem
vantagem relativa e a longo prazo.
A mais
importante reunião anual do Partido Comunista Chinês termina nesta sexta-feira
(30). Autoridades do Partido —que são também do Estado— se reúnem para
estabelecer o plano quinquenal 2021-2026, além de tratar de objetivos para
2035.
O plano
quinquenal não é uma resposta aos EUA ou à guerra comercial, mas é uma peça que
ajuda a explicar como o partido vê o jogo nos próximos anos.
Sob o novo
plano, a expressão críptica “estratégia da circulação dual” vira palavra de
ordem. Trata-se de ênfase na autossuficiência, no consumo doméstico e nos
investimentos em tecnologia e inovação.
Pequim estará
imbuída do propósito de fazer a China menos dependente
do exterior —incluindo do humor de autoridades estrangeiras e
de países mais resistentes a produtos, investimentos e influência chineses.
Xi Jinping já
havia apontado nessa direção em visita recente a Shenzhen, cidade que sedia
Huawei, Tencent (do WeChat) e outras tantas afetadas por medidas americanas.
Disse
que a China deve elevar a autossuficiência a um outro patamar. Quer que o país
enfrente os gargalos que o deixam vulneráveis a medidas de outras capitais —por
exemplo, restrições americanas às exportações de semicondutores para empresas
chinesas.
A China
apressa-se em dizer que segue aberta a investimentos estrangeiros. No entanto,
vai olhar mais para dentro agora. O exercício é convencer os demais de que isso
não significa fechar-se para o mundo.
A verdade é
que, depois de ter surfado a onda da hiperglobalização, Pequim sabe que o tempo
fechou e a maré virou. Sente o impacto das medidas americanas,
vê ícones da inovação nacional sob ameaça não apenas nos EUA. Com a guerra
comercial, os americanos fizeram mal a si mesmos —empresas, consumidores e
contribuintes—, mas também atingiram os chineses.
Na sua reação
à guerra comercial, a China evita confrontação direta com os EUA. Responde à
sua maneira para mitigar os riscos de um ambiente externo desfavorável. Busca
aproveitar as vantagens do seu mercado doméstico e investe em tecnologia para
tornar-se mais competitiva que seus oponentes.
Como poucos,
tem capacidade de mobilizar recursos para implementar um plano. Pequim joga com
as peças que tem, no tabuleiro em que sabe jogar.
* Tatiana Prazeres Senior fellow na Universidade de Negócios Internacionais e Economia, em
Pequim, foi secretária de comércio exterior e conselheira sênior do
diretor-geral da OMC.
Veja: Novo desenho geopolítico
mundial https://bit.ly/35goKxb
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