18 outubro 2020

Nobel de física

Um prêmio ao obscuro

Buracos negros são objetos esquisitos, oriundos de uma teoria relativamente complexa, mas que fazem parte do imaginário popular há anos. Por que, em 2020, foram premiadas duas pesquisas sobre o tema?

Por Martín Makler, Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), Ciência Hoje online

 

Os buracos negros surgem como uma solução (possível) da teoria da relatividade geral, formulada pelo físico alemão Albert Einstein (1879-1955), em 1915. A finalidade era explicar a gravidade, mas essa teoria representou uma revolução do conceito de espaço e de tempo, que, além de andarem juntos, formando uma estrutura chamada espaço-tempo, apresentam uma espécie de maleabilidade – daí o apelido de “tecido do espaço-tempo”. Essa solução foi obtida em 1916 e representa o campo gravitacional de um objeto muito compacto. A partir de certa distância ao centro, denominada horizonte de eventos, nada do que cai no buraco pode sair, nem a luz, por isso o nome. Outra propriedade intrigante é que, perto do buraco negro, o tempo passa de forma bem diferente: mais devagar para quem o vê de longe. Não se sabe o que há dentro de um buraco negro. A princípio, seria uma densidade infinita de matéria no centro. Independentemente do que formou esse objeto, um observador externo só pode saber a sua massa e rotação.

Durante muito tempo considerou-se que esses objetos misteriosos fossem apenas uma curiosidade matemática da relatividade geral. Essa tal “solução” poderia não existir na natureza. É aí que entra o trabalho do físico britânico Roger Penrose, realizado na década de 1960. Ele mostrou que, sob condições bastante gerais, esse tipo de objeto exótico poderia, sim, ser formado no mundo real. Mais do que isso, ele mostrou que a formação de buracos negros era simplesmente inevitável em algumas situações. Se os resultados de Penrose deram realidade e credibilidade aos buracos negros, ainda era um resultado teórico, uma demonstração matemática usando a teoria de Einstein. Naquela mesma época, foram detectados objetos extremamente energéticos em galáxias distantes, os quasares. Uma explicação para a sua fonte de energia seria matéria caindo em um buraco negro com massa milhões ou até bilhões de vezes maiores que a massa do Sol.

No entanto, não havia nenhuma evidência direta da existência desses buracos negros ditos supermassivos. É aí que entram os trabalhos da astrônoma estadunidense Andrea Ghez e do astrofísico alemão Reinhard Genzel (e de colaboradores de ambos), nas décadas de 1990 e 2000. Eles estudaram, de forma independente e ao longo de vários anos, o movimento de estrelas próximo do centro de nossa galáxia. Ao analisarem as órbitas dessas estrelas, constataram que única explicação para o seu movimento era elas revolverem ao redor de um objeto, escuro, com uma massa de cerca de quatro milhões de vezes a massa do Sol.

A inferência da existência desse objeto no centro de nossa galáxia era uma evidência bastante forte para a existência dos buracos negros. Mas as “tacadas” finais vieram muito mais recentemente. Em 2015, foram detectadas as primeiras ondas gravitacionais produzidas pelas fusão de dois buracos negros, um sinal praticamente inquestionável de sua existência. Desde então, já foram detectadas dezenas de fusões de buracos negros. Finalmente, em 2019, foi divulgada a primeira ‘imagem’ de um buraco-negro: um anel de luz que é a assinatura inequívoca da presença de um horizonte de eventos, quase que a própria definição de buraco negro. E era em um buraco-negro supermassivo no centro de uma galáxia próxima.

Provavelmente foi o argumento que faltava ao comitê do prêmio Nobel para se convencer da realidade desses objetos e finalmente conceder a Penrose o prêmio pela descoberta de que a formação de buracos negros é uma previsão robusta de teoria da relatividade geral e a Genzel e Ghez pela descoberta de um objeto compacto supermassivo no centro de nossa galáxia.

Diga-se de passagem, Andrea é apenas a quarta mulher na história a ganhar um prêmio Nobel de física. Aliás, além de mulher é mãe, provando que ‘quem engravida’ pode ser tão ou mais competente que seus colegas masculinos.

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