Ato com Bolsonaro no Rio
pode ter ferido códigos penal, de trânsito e do Exército com 3 potenciais
infrações
Especialistas
avaliam que presidente pode ter cometido crime contra a saúde pública
Ana Luiza Albuquerque, Folha de S. Paulo
Ao
menos três potenciais infrações —do Código Penal, do Código de Trânsito
Brasileiro e do Regulamento Disciplinar do
Exército— podem ter sido cometidas pelo presidente Jair Bolsonaro
(sem partido) ou por seus apoiadores durante ato neste domingo
(23) no Rio de Janeiro, avaliam advogados consultados pela Folha.
Três dias após dizer que teve novos sintomas da Covid-19, Bolsonaro reuniu milhares
de pessoas em um passeio de motocicleta da zona oeste à zona
sul da cidade. O presidente cumprimentou os presentes sem utilizar máscara,
desobedecendo decreto estadual em vigor que obriga seu uso mesmo em ambientes
públicos.
Três
entre quatro advogados criminalistas ouvidos pela reportagem avaliam que, em
tese, Bolsonaro e qualquer pessoa que não tenha utilizado máscara durante o ato
cometeu uma infração criminal, prevista no artigo 268 do
Código Penal: “Infringir determinação do poder público, destinada a
impedir introdução ou propagação de doença contagiosa”.
A pena prevista é de detenção de um mês a um ano e multa. No caso do presidente,
caberia à PGR (Procuradoria-Geral da República) apresentar uma denúncia ao STF
(Supremo Tribunal Federal), e um eventual processo precisaria ser aprovado pela
Câmara dos Deputados.
O
advogado João Paulo Martinelli, professor de processo penal no Ibmec-SP, lembra
que os decretos de âmbito estadual e municipal que visam o enfrentamento à
pandemia são de amplo conhecimento e que pode ter havido, inclusive, dolo
(consciência e vontade do autor) na ação do presidente.
“Considerando
que já houve autuação [de Bolsonaro] no
Maranhão por algo semelhante, vejo que há até dolo em infringir
essas regras. Não precisa haver contaminação efetiva de uma pessoa para
configurar o crime previsto no artigo 268. A partir do momento que infringe a
lei, presume-se que esse comportamento é perigoso”, diz.
A advogada Daniella Meggiolaro, presidente da Comissão de
Direito Penal da OAB/SP, concorda com a avaliação de que possa ter havido dolo
por parte de Bolsonaro.
“Mais
do que cometer um crime contra a saúde pública, previsto no artigo 268, o
próprio exemplo é muito grave. [A obrigação do] uso de máscara todo mundo
conhece, não dá para alegar que não sabe. Especialmente por ele ter tido
sintomas, acredito que está bem enquadrado [no tipo penal]”, afirma.
Durante a “motociata” de domingo, a reportagem identificou diversas placas
adulteradas, ou mesmo a inexistência de placa, entre as motocicletas dos
apoiadores de Bolsonaro.
O
artigo 221 do Código de Trânsito Brasileiro identifica como uma infração de
gravidade média portar no veículo placas de identificação em desacordo com as
especificações do Conselho Nacional de Trânsito. A penalidade é multa, com
retenção do veículo para regularização.
Martinelli
ressalta que adulterar placas também é uma transgressão ao Código Penal, que no
artigo 311 prevê pena de três a seis anos, e multa, para o crime.
Por
fim, outra infração durante o ato a favor de Bolsonaro teria sido cometida pelo
general da ativa Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde. Além de não ter
utilizado máscara, ao participar de uma manifestação política Pazuello desobedeceu ao regulamento
disciplinar do Exército.
Instituído
por decreto em 2002, o regulamento lista 113 transgressões possíveis. A de
número 57 é a que mais se aplica ao caso do general: “Manifestar-se,
publicamente, o militar da ativa, sem que esteja autorizado, a respeito de
assuntos de natureza político-partidária”.
Nas
redes sociais, muitos questionaram se o presidente teria realizado propaganda eleitoral
antecipada ao participar do ato político. Todos os quatro
advogados especialistas em direito eleitoral consultados pela Folha rejeitaram
a hipótese.
Eles
lembraram que o artigo 36 da Lei das Eleições afirma que, para configurar
propaganda antecipada, deve haver pedido explícito de voto, menção à
candidatura ou exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos.
“A
propaganda antecipada só é caracterizada quando tem efetivo pedido de voto. Foi
um ato com nítido caráter político eleitoreiro, mas juridicamente não seria
possível caracterizar”, afirma Ana Fuliaro, doutora em direito pela USP e
membro da equipe do Fidalgo Advogados.
O
advogado Fabricio Medeiros, professor do Ibmec e do IDP no Distrito Federal,
também afirma que o ato foi político, mas concorda que não estão presentes os
requisitos da propaganda eleitoral antecipada. “A legislação a partir de 2015
passou a permitir esse tipo de situação, o debate político livre, mesmo em anos
entre eleições”, diz.
Possíveis infrações em ato com Bolsonaro no
Rio
Penal Por não utilizar
máscara, Bolsonaro teria cometido a infração criminal prevista no artigo 268 do
Código Penal: “Infringir determinação do poder público, destinada a impedir
introdução ou propagação de doença contagiosa”. Além disso, alguns apoiadores
teriam adulterado placas das motocicletas, crime previsto no artigo 311
Trânsito Alguns
manifestantes teriam cometido uma infração de gravidade média prevista no
artigo 221 do Código de Trânsito Brasileiro: portar no veículo placas de
identificação em desacordo com as especificações do Conselho Nacional de
Trânsito
Regulamento
do Exército Ao participar de ato político, o ex-ministro e
general da ativa Eduardo Pazuello teria infringido o Regulamento Disciplinar do
Exército, que lista como transgressão “Manifestar-se, publicamente, o militar
da ativa, sem que esteja autorizado, a respeito de assuntos de natureza político-partidária”
.
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