28 maio 2021

Gabinete genocida

Documentos do Planalto entregues à 
CPI mostram 24 reuniões com atuação de 'ministério paralelo' na gestão da pandemia
Para grupo majoritário da CPI da Covid, pessoas fora da estrutura do Ministério da Saúde aconselhavam Bolsonaro
Constança Rezende e Raquel Lopes, Folha de S. Paulo

 

Documentos da Casa Civil da Presidência da República entregues à CPI da Covid mostram que pessoas apontadas como integrantes de um “ministério paralelo” da Saúde participaram de ao menos 24 reuniões para tratar de estratégias do governo no combate à pandemia.

Segundo senadores independentes e de oposição da CPI, o "ministério paralelo" seria um grupo de aconselhamento do presidente Jair Bolsonaro fora da estrutura do Ministério da Saúde.

O material remetido à CPI da Covid trata de informações solicitadas sobre todas as reuniões que tiveram como pauta o tema relacionado à pandemia da Covid-19 —Bolsonaro não esteve em seis delas, mas todas ocorreram no Palácio do Planalto ou no Alvorada (residência oficial da Presidência).

Aparecem nessas reuniões o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do presidente, o deputado federal Osmar Terra (MDB-RS), o assessor especial da Presidência Tercio Arnaud, o ex-secretário de Comunicação Fabio Wajngarten e a médica Nise Yamaguchi.

Todos participantes de reuniões relacionadas à pandemia do novo coronavírus, de acordo com os documentos enviados à comissão. Alguns são citados no mesmo evento ou em momentos distintos. Há reunião também com a presença de outro filho do presidente, o senador Flávio Bolsonaro (RJ).

Os filhos do presidente estiveram em ao menos cinco reuniões. Três delas foram por videoconferência, para tratar do mesmo tema: “governadores e pedidos de apoio para enfrentamento da crise, as pautas são referentes a saúde, economia e outras áreas”.

Em uma dessas três reuniões esteve presente o assessor Tercio Arnaud, que teve uma carreira meteórica na equipe de Bolsonaro. Integrante do chamado “gabinete do ódio”, bunker digital do Palácio do Planalto revelado pela Folha, ele é considerado o principal preposto de Carlos Bolsonaro na equipe do presidente.

A médica Nise Yamaguchi esteve em ao menos quatro reuniões no Planalto, segundo os registros da CPI.

Em uma delas, em abril do ano passado, tratou sobre hidroxicloroquina, remédio que não tem eficácia comprovada contra a Covid-19. O presidente chegou a fazer postagens sobre a médica nas redes sociais para falar sobre o medicamento.

Há ao menos 11 registros com a presença do deputado Osmar Terra entre 4 de fevereiro do ano passado até 30 de março deste ano. Em quatro consta na agenda somente a presença dele e do presidente, com tema classificado como “diversos”. Médico, Terra tem sido um dos principais conselheiros de Bolsonaro.

Em outra, ele aparece com Eduardo Pazuello, na data em que este tomou posse como ministro da Saúde. Na ocasião, a pandemia já somava no país 4,4 milhões de casos e 133 mil mortes.

Já o ex-secretário Fabio Wajngarten (Comunicações) aparece em ao menos seis agendas sobre a pandemia, abordando ações governamentais para o combate do coronavírus, vacinação e a situação do estado do Amazonas, que passava por uma crise na falta de fornecimento de oxigênio para pacientes internados com a doença.

O assessor internacional da Presidência Filipe Martins, e ex-assessor Arthur Weintraub e o empresário Carlos Wizard, apontados na CPI como integrantes do grupo paralelo, até então não apareceram nas listas.

No entanto nem todos os membros que participaram dos encontros foram divulgados nas planilhas das reuniões entregues à CPI. Algumas reuniões tratavam de temas como a vacina de combate ao coronavírus e o consórcio Covax Facility.

Em seu depoimento à CPI, o ministro Marcelo Queiroga (Saúde) disse desconhecer a estrutura paralela. A comissão mira em Carlos Bolsonaro para investigar o suposto grupo, assim como Arthur Weintraub, irmão do ex-ministro Abraham Weintraub (Educação).

Os parlamentares dizem acreditar que o advogado pode ser um dos líderes do gabinete paralelo, após a revelação de vídeos em que afirmou que estava investigando a suposta eficácia da hidroxicloroquina a pedido de Bolsonaro.

Osmar Terra também deve ser convocado. Ele é apontado como um dos conselheiros de Jair Bolsonaro que combateram o isolamento social, único instrumento que existia no ano passado, além do uso de máscaras, para frear a disseminação do novo coronavírus no Brasil.

O requerimento de convocação foi apresentado pelo senador Rogério Carvalho (PT-SE). A decisão de chamá-lo à CPI foi tomada depois que o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta (Saúde) citou Terra como uma das pessoas do grupo que aconselhava o presidente de forma paralela para que ele não seguisse as recomendações da pasta da Saúde.

Segundo o relator da comissão, senador Renan Calheiros (MDB-AL), o ex-secretário Fabio Wajngarten deu relatos que comprovam a existência do grupo.

De acordo com o parlamentar, isso aconteceu depois que Wajngarten admitiu que participou de reuniões de negociação da vacina da Covid com representantes da Pfizer.

“Vossa excelência é a prova da existência dessa consultoria, é a primeira pessoa que incrimina o presidente da República, porque iniciou uma negociação em nome do Ministério da Saúde, como secretário de Comunicação e se dizendo em nome do presidente; é a prova da existência disso”, disse Renan, durante depoimento do ex-secretário à CPI neste mês.

Procuradas por meio da assessoria de imprensa, a Presidência e a Casa Civil não responderam aos contatos da reportagem nesta quinta-feira.

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Veja: Pelo impeachment ou pelo voto https://bit.ly/3uEnGxa

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