O elemento consciente indispensável*
Luciano Siqueira
Na década de 80 do século passado, pelo menos em duas oportunidades, João Amazonas sublinhou a importância decisiva do elemento consciente na transformação social.
Primeiro, na edição inaugural da revista Princípios, ao rebater a afirmação de um militante desistente, para quem o marxismo havia interrompido seu processo criativo e renovador. Uma melhor compreensão da relação entre a realidade objetiva e as forças subjetivas estava entre os temas de evolução teórica, segundo Amazonas.
Depois, no informe político ao 7⁰ Congresso do PCdoB, ao assinalar elementos essenciais de agravamento da crise do capitalismo em contraste com o atraso relativo dos fatores subjetivos, combinação nefasta que dificultava avanços da luta transformadora de sentido estratégico no Brasil.
Um rebatimento ousado dessa abordagem se deu com a proposta da Frente Brasil Popular (PT-PCdoB-PSB) em torno da candidatura de Lula à presidência da República, em disputa com diversas candidaturas do centro democrático, do centro-direita e da direita que se fracionavam no primeiro turno.
De lá para cá muita água rolou por debaixo da ponte, desenhando maior complexidade ainda na realidade no mundo e no Brasil, assim como, no que diz respeito ao PCdoB, expressivos saltos qualitativos na elaboração teórica e na abordagem da situação política concreta, resultando em formulação programática que, de modo articulado, abarca o objetivo estratégico e a orientação tática para um presumivel largo período conjuntural.
Nos dias que correm, em que estamos prestes a celebrar os primeiros 12 meses pós vitória eleitoral sobre o bolsonarismo (principal fisionomia do neofascismo no Brasil), mostra-se a cada dia mais decisivo valorizar o elemento consciente, ao qual João Amazonas se referia, na abordagem da realidade concreta na perspectiva de vencer a transição atual para um novo ciclo de transformações de caráter progressista na sociedade brasileira.
Assim, no tempo presente, toda análise da situação política que se baste na superfície — mesmo bem concatenada e apoiada em fatos reais — faz-se perigosa justamente por não dar conta da dimensão dos problemas a enfrentar.
O exame da correlação de forças, por exemplo — elemento decisivo de uma tática consistente —, não pode se prender tão somente à peleja por uma maioria quantitativa no parlamento (necessária à governabilidade), aos primeiros resultados, significativos porém insuficientes, de políticas públicas socialmente compensatórias e ao anúncio de bons propósitos (ainda frágeis do ponto de vista orçamentário) no que diz respeito à retomada de investimentos em ciência, tecnologia e inovação e em infraestrutura e ao estímulo à revitalização das atividades industriais.
No meio do caminho tem uma pedra, melhor dizendo, uma montanha rochosa gigantesca — os fundamentos macroeconômicos ultra-liberais vigentes associados ao Estado nacional fragilizado e disfuncional — cuja superação entrelaça elementos internos com contingências internacionais.
Em suma, todo entusiasmo que não se assente na análise abrangente da complexa realidade concreta corre o risco de semear a ilusão entre os que têm por princípio e missão histórica lutar conduzidos pela razão.
*Texto da minha coluna desta quinta-feira no portal Vermelho
Mais do que olhar pela janela https://bit.ly/3Ye45TD
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