12 setembro 2024

Uma crônica de Ruy Castro

Pensar dói?
Segundo pesquisa na Holanda, algumas atividades cerebrais são dolorosas. Uma surpresa, porque vinda de um país de grandes pensadores
Ruy Castro/Folha de S. Paulo  

Pesquisadores da Universidade Raboud, na Holanda, analisando cerca de 5.000 participantes de 358 tarefas cognitivas, chegaram à conclusão de que pensar dói. Não ria. A análise foi feita com o auxílio de um programa especial da Nasa, o que lhe dá mais autoridade do que a de pesquisadores limitados a só usar o cérebro. Pelo que entendi, certas atividades cerebrais, como fazer cálculos matemáticos, ler Gertrude Stein< /a> ou tomar decisões que envolvam um sim ou não de vida ou morte, provocam sensações orgânicas que podem ser classificadas como dolorosas.

Segundo o estudo, quanto maior o 
esforço mental, maior o desconforto físico. Não é preciso pensar muito para se chegar a este óbvio, por definição, ululante. O estudo não considera a hipótese de todo esforço mental ser relativo —para muitos, calcular uma reles raiz quadrada será uma tarefa intransponível, enquanto, para outros, discutir a Conjectura de Poincaré com Alfred North Whitehead pode ser tão simples como falar de futebol no botequim. O estudo, pelo menos, admitiu certa possibilidade de diferença entre as pessoas, citando estudantes universitários e militares —imagino que cada um numa ponta do
espectro cognitivo.

O que me espanta é que a conclusão de que pensar dói tenha vindo de uma instituição da Holanda, país admirado por produzir pensadores em tantos ramos. Eram holandeses Erasmo de Roterdão (1466-1536) e Spinoza (1632-1677), dois pilares da filosofia, atividade cuja única ferramenta é o pensamento. E não há registro de que Erasmo e Spinoza sofressem de lumbago ou dor de dentes por pensar.

Holandeses foram enormes pintores como Van Gogh, Rembrandt, Hieronymus Bosch, Vermeer e De Kooning, e pintar envolve decidir em um segundo se se dá esta ou aquela pincelada. E alguns dos jogadores mais cerebrais da história do futebol eram holandeses —Cruyff, Van Basten, Gullitt, Neeskens, Bergkamp—, a provar que nem sempre o cérebro precisa estar na cabeça.

Os holandeses inventaram também a fita cassete, o CD e o DVD, e temos de lhes ser gratos por isso. Mas depois os desinventaram —e pensar nisso, sim, dói.

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