17 agosto 2025

Uma crônica de Abraham Sicsu

Porque hoje é sábado
Abraham B. Sicsu 

A madrugada é chuvosa e fria. Como de hábito, acordo antes das quatro da manhã. Sábado é um dia diferente, um dia de feirinha orgânica, de tira gostos e bebidas. Este, mais ainda, com duas reuniões com amigos queridos. Aposentado quando tem um compromisso diário já é um problema, imaginem com quatro.

Perto das cinco horas da manhã, arrumo a mesa do café e pego meu carrinho de feira. Sou antiquado, ainda uso daqueles tradicionais de ferro vasado.

A caminhada é curta, menos de 300 metros, chego no Sítio da Trindade. Oito tabuleiros de gente amiga que vem de Vitória de Santo Antão, todos muito amáveis e queridos.

As flores são imprescindíveis, naturais, embelezam a casa a semana toda. As frutas, de mamão a banana, de laranja cravo a uma boa jaca, doces como mel. As verduras fresquinhas e os temperos aromáticos dão vida à comida do dia a dia.

O ovo caipira e a massa para tapioca. Tem água de coco e canjica, mungunzá e bolo de macaxeira, maneira de ampliar o apurado e agregar valor. Anne, Dora, Inaldo, Renato, muitos outros, me conhecem faz anos, escolhem com carinho os alimentos que levarei para casa. Não tenho o que reclamar.

Chego em casa perto das seis. Hora de fazer o café e esquentar o pão. Iogurte com granola, manteiga, geléias e queijos, tirados da geladeira. Minha companheira acorda e faz um ovinho poché. O inhame está quentinho. O papo matinal para relembrar o ocorrido na noite anterior, colocar a informação em dia, jogar conversa fora.

No meu cadeirão de leitura vejo os jornais. Um livro interessante, continuo a ver páginas, um pouco mais.

Chimamanda Ngozi Adichie, boa escritora, o livro, “Meio Sol Amarelo”. Sobre a guerra civil na Nigéria e a tentativa da República de Biafra. Vale ver. A vida de uma família na época do conflito. Venturas e desventuras.

Chega perto das nove. Como tenho compromisso terei que ir mais cedo do que o habitual. Mas, não posso faltar. Os amigos da Mercearia me esperam todo sábado.

Tomo apenas duas doses de rum, com um pratinho de mortadela. Leandro me conta histórias. De um diretor de publicidade e suas dificuldades. Uma hora de boa prosa, de fatos ocorridos que marcaram. Eu conto minha vida de professor e de executivo, principalmente os fracassos para darmos risada da própria incompetência.

Chega perto do meio dia. Tenho que ir para Aldeia. Na casa do velho mestre. Dois encontros oficiais por ano. Um comemora o fim de ano, outro as festas juninas. Este ano atrasou, ficou para agosto.

Bons amigos, colegas professores que fazem questão de ir saudar o querido mestre, relembrar velhas histórias dos tempos que estávamos ativos. Um vinhozinho e muita alegria, fatos reais, lógico, bastante aumentados e romanceados.

A certeza de que somos um coletivo que deu sua contribuição, que teve seus erros, claro, mas que tinha um firme propósito de apoiar o alunato na sua caminhada de formação. Felizes, passamos a tarde, horas que nos revigoram para a continuidade do ano.

Voltamos para Recife, chegamos perto das cinco. Um pouco cansados, mas com outro compromisso imprescindível, não poderemos faltar. Uma pequena cochilada e prontos para continuar a jornada.

Um aniversário de um grande amigo. Médico que nos recebe com muito entusiasmo. Presentes, nós e mais um casal de convidados, filhos, netos e parentes em profusão. Chegando bem perto dos oitenta. Com energia e muita disposição para a luta. Todo dia continua na labuta, na sua dedicação ao Conselho de Medicina onde marca presença diária.

Tira gostos, bebidinhas e muito papo. Com a certeza de que é um grupo de gente combativa, que quer continuar colaborando, sempre que puder. Idéias factíveis e mirabolantes. Nada compromissado, mas muito animado.

Não nos apercebemos de nossas limitações, das dificuldades que temos para concretizar sonhos quase sempre impossíveis. Não importa, o importante é sonhar e ter propósitos, mesmo que imaginários, dá razão para que as coisas não parem.

Uma noite esplendorosa. Chega a meia noite, hora de nos recolhermos. Um dia diferente, em que tudo ocorreu, em que se foi pleno. Isso amigos, justificado.

Afinal, “porque hoje é sábado”. Ou foi.

[Ilustração: Antony Holdsworth]

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