Coisas da campanha e da vida*
A campanha eleitoral, tal como a atividade política como um todo, reflete a vida como ela é. Cria expectativas, fundadas ou não; personagens são alçadas ao pódio, outras amargam a derrota; mexe com idéias e emoções.
Já prestou atenção às caminhadas pelas ruas estreitas dos bairros ou pelas vias movimentadas do centro da cidade? Quando a campanha está em alta — caso atual do Recife, por exemplo —, são um misto de festa e batalha campal. Especialmente se houver câmaras de TV cobrindo o evento. Candidatos a vereador, tomados pela ânsia de terem um segundo de glória no vídeo, literalmente se acotovelam entre si e se agarram ao corpo do candidato a prefeito como ostra na pedra. Não há quem os separe. A não ser outro candidato mais esperto e mais hábil no empurra-empurra. Ou alguém do povo com vontade e disposição para abraçar o prefeito a todo custo. Uma eleitora expansiva além da conta conseguiu, semana passada, fraturar duas costelas do prefeito João Paulo num abraço mais do que efusivo!
Coisas da política e da vida. Tudo lembra uma marchinha de carnaval dos anos 50: "Eu não vou, vão me levando/Vão me empurrando/desse jeito eu tenho que ir/Se piso em uns, se bato em outros/Vocês vão me desculpando/Eu não vou, vão me levando."
Enquanto isso, a caminhada segue impávida e alegre, em geral ao som de um bom frevo, com bonecos gigantes, bandeiras, pirulitos, adesivos, panfletos.
É uma festa democrática. Cada um participa como quer. Ou como pode. Já que somos pouco afeitos às pisadelas e aos passos frenéticos do frevo, preferimos seguir um pouco mais atrás, alimentando breves diálogos com as pessoas. Assim, colhemos de militantes e ativistas o entusiasmo ou a dúvida, a crítica ou a concordância sobre a linha da campanha. Sentimo-nos alvo de apreço e carinho. Ajudamos a formar opinião.
Mas nem sempre isso acontece facilmente. É quando surge uma daquelas figuras bem conhecidas — que alguns chamam de "traça de comitê" —, sempre a nos pedir algo. Um deles, conhecido de outros carnavais, outro dia nos interpelou durante uma caminhada:
— "Vice-prefeito, eu sou um homem preparado. Mandei ao prefeito, ao governador e ao secretário Garotinho, do Rio de Janeiro, três projetos sobre segurança pública". Garotinho me respondeu, "vai aproveitar minhas idéias para combater o crime no Rio. Jarbas e João Paulo não deram a mínima atenção!".
— "Paciência, amigo. Examinaremos seus projetos, depois você terá resposta".
— "Depois, não. Preciso de uma resposta logo. A Prefeitura bem que podia me dar uma "gratificação" pelas minhas idéias... estou 'na rua da Amargura', preciso de ajuda".
Foi quando a paciência se esgotou e o jeito foi retrucar:
— "Que rua da Amargura que nada, amigo. Você está na rua Nova e a caminho do Largo de Nossa Senhora do Carmo!".
Não fosse a intervenção providencial do companheiro George Braga, o diálogo seguiria quase-surrealista, estragando definitivamente nossa participação na caminhada. (09.09.04)
*Crônica extraída do livro Luciano Siqueira: O vermelho é verde-amarelo. Editora Anita garibaldi, São Paulo, 2005.
2 comentários:
Bem legal o blogger, "limpo", fácil de usar, mas, estou com uma "leve impressão" que já li alguns destes textos.
Leu, sim, Raquel, doias textos publicados anteriormenmte em livro. Também são reproduzidos os textos da minha coluna semanal no Vermelho. No mais, tudo o que aqui sai é original. Abraço, Luciano
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