16 abril 2007

História não oficial?


No Vermelho:
Jornais revelam conteúdo de livro secreto do Exército
Trecho de um livro secreto do Exército sobre o regime militar (1964-1985) foi divulgado hoje (15) pelos jornais Correio Braziliense e O Esdtado de Minas. Produzido pelo Centro de Informações do Exército (o CIE, serviço secreto), há 19 anos, a pedido do então ministro do Exército, Leônidas Pires Gonçalves, o livro, com quase mil páginas, conta a versão dos militares sobre a luta armada promovida por grupos de esquerda entre 1969 e 1974.

O mistério que dura duas décadas chega ao fim. Há 19 anos, uma dúzia de oficiais da reserva esconde uma espécie de “santo graal” da linha-dura das Forças Armadas: um livro produzido pelo serviço secreto do Exército, que conta o que seria “a verdade” sobre a luta armada promovida por organizações de esquerda, entre 1967 e 1974. A obra nunca foi publicada e até mesmo seu título foi mantido em sigilo. Alguns poucos exemplares artesanais passaram de mão em mão, num círculo fechado. Apenas 40 páginas da obra (menos de 4% do total) circulam livremente pela Internet, postadas no site do grupo Terrorismo Nunca Mais (Ternuma), que reúne militares e civis de extrema direita.

A reportagem do Correio/Estado de Minas obteve uma cópia do megadocumento, que tem 966 páginas divididas em dois tomos. A obra tem uma enorme importância histórica. Ela comprova, por exemplo, que o Exército possui informações sobre mortos e desaparecidos políticos que oficialmente nega ter. Contém ainda mentiras, manipulações, mas também informações incômodas, tanto para as Forças Armadas quanto para organizações de esquerda.

A obra começou a ser feita em 1986 como forma de responder às acusações contidas no livro Brasil: Nunca Mais, lançado no ano anterior, pela Arquidiocese de São Paulo, para denunciar a tortura e o assassinato de presos políticos na ditadura militar (1964-1985). Durante dois anos, por ordem direta do então ministro do Exército, Leônidas Pires Gonçalves, cerca de 30 oficiais do Centro de Informações do Exército (CIE) — o serviço secreto da Força — trabalharam de forma sigilosa no chamado Projeto Orvil (orvil é a palavra livro ao contrário). Quando o livro ficou pronto, em 1988, foi batizado com o título de As tentativas de tomada do poder. Na época, porém, Leônidas desistiu de publicar a obra, que, rebatizada como Livro negro do terrorismo no Brasil, acabou se tornando uma relíquia militar.

Ao descrever o dia-a-dia de dezenas de organizações de esquerda, o livro cita mais de 1.700 pessoas, muitas delas ainda em atividade, como o ministro Franklin Martins (Comunicação Social), o ex-ministro José Dirceu, o governador José Serra (São Paulo) e o cantor e compositor Chico Buarque. Os dados, como é dito na apresentação do livro, foram retirados de documentos dos arquivos secretos militares.

Quatro fontes distintas comprovam que é autêntica a cópia obtida pelo Correio/Estado de Minas: 1) Trechos do livro foram copiados de documentos secretos do próprio Exército. Um caso concreto: nas páginas 721 e 722, está escrito: “A localidade de Santa Cruz, por exemplo, dista 600 km da sede do município, em Conceição do Araguaia, e a única ligação existente entre elas é o rio, demorando a viagem entre uma localidade e outra uma média de 5 dias”. Texto praticamente idêntico aparece em documento do Exército de 30 de outubro de 1972, classificado como secreto: “(…) A localidade de Santa Cruz dista 600 km da sede do município em Conceição do Araguaia e a viagem pelo rio, único meio de ligação, demora da ordem (sic) de 5 dias”.
2) Outros trechos do livro — como o relato do seqüestro do embaixador alemão Ehrenfried von Holleben, em 1970 — são cópias ou adaptações de textos publicados no site do grupo do Ternuma (http://www.ternuma.com.br/), guardião da obra.
3) Consultadas pelo Correio/Estado de Minas, pessoas citadas no livro — entre elas Cid Queiroz Benjamim e Maurício Paiva, que participaram da luta armada — apontam erros e manipulações na obra, mas confirmam a veracidade de inúmeros detalhes, que ainda não são de conhecimento público.
4) Um oficial do Exército que possui um exemplar do livro confirmou que a cópia em poder da reportagem é autêntica.

Durante dois meses, o Correio/Estado de Minas confrontou o conteúdo do livro secreto do Exército com outras 12 obras de referência histórica e com dezenas de documentos das Forças Armadas. Também entrevistou 32 pessoas envolvidas direta ou indiretamente com os fatos narrados. O resultado do trabalho começou a ser publicado a partir deste domingo (15) numa série de reportagens especiais.

Cronologia do projeto Orvil
. 1985 José Sarney toma posse na Presidência, pondo fim a 21 anos de ditadura militar. No mesmo ano, a Arquidiocese de São Paulo lança o livro Brasil: nunca mais, com relatos de tortura e assassinato de presos políticos ocorridos durante a ditadura.
. 1986 Para responder ao Brasil: nunca mais, o ministro Leônidas Pires (Exército) manda o serviço secreto da Força produzir um livro com a versão dos militares para a luta armada. Inicia-se assim o Projeto Orvil (a palavra livro ao contrário).
. 1988 O livro do Exército fica pronto e é batizado com o título As tentativas de tomada do poder. Leônidas (foto), contudo, volta atrás e decide não publicá-lo. O documento então passa a circular entre militares da reserva rebatizado de Livro negro do terrorismo no Brasil.
. 2000 Integrantes do grupo de extrema direita Terrorismo Nunca Mais (Ternuma), que reúne militares e civis, têm acesso ao livro e colocam na internet cerca de 40 páginas da obra. Não informam, porém, a origem dos textos.
. 2007 O Correio/Estado de Minas obtém uma cópia do livro. Com 966 páginas, o documento cita mais de 1,7 mil pessoas ligadas a organizações de esquerda, muitas delas ainda em atividade. A obra comprova que o Exército esconde informações sobre desaparecidos.

Com 51 páginas, dedicadas a ele, o campeão de citações no livro secreto é Carlos Lamarca, o capitão do Exército que desertou em 1969 para tentar fazer a revolução socialista no Brasil. Em segundo lugar, com 41 páginas, vem Carlos Marighella, o veterano comunista que, no final da década de 1960, se tornou ícone da guerrilha urbana no país.
Fonte: O Estado de Minas
Leia também:Relatório oficial sobre o Araguaia pede abertura de arquivos

Um comentário:

Anônimo disse...

A sociedade brasileira tem direito de saber tudo o que aconteceu no regime militar para que as novas gerações extraiam dos acontecimentos terríveis e vergonhosos as lições pertinentes.
Evilásio Rocha - Manaus