Um nó a ser desatado
Luciano Siqueira
Começa a campanha eleitoral e as carências sociais e de infra-estrutura de nossas cidades passam a primeiro plano no discurso dos candidatos. Tanto dos que já governam ou por esses são apoiados, como dos que, na oposição, anseiam o poder local.
Não poderia ser diferente. São enormes as demandas físicas e sociais de nossas cidades, acumuladas no curso do rápido processo de urbanização ocorrido em nosso país. No início do século XX apenas 10% dos brasileiros viviam nas cidades; hoje essa população atinge os 80%. Produto direto de dois fatores entrelaçados: a industrialização, que tomou corpo a partir dos anos 30; e a ausência de uma reforma agrária distributiva, que arrostasse a praga do monopólio da propriedade territorial rural, o latifúndio.
O drama dos que saíram do campo por causa do latifúndio se estendeu à nova vida iniciada nas cidades, onde o direito a um pedaço de chão também esbarrou na controle do território nas mãos de poucos.
Com a ocupação crescente das cidades, o solo urbanizado passou a custar uma fortuna, de acesso apenas a quem pode. Os de baixa renda e de pouco poder aquisitivo gradativamente foram vítimas da segregação, condenados a se instalar em áreas periféricas desprovidas de serviços públicos e de oportunidades de emprego, e ainda obrigados a pagar caro pelo transporte de má qualidade.
Assim, a industrialização mudou o foco da riqueza da terra para as fábricas, mas o impasse fundiário urbano se manteve até hoje. E não há como promover o desenvolvimento econômico com distribuição de renda e valorização do trabalho sem superar esse impasse.
Aí é que entra a maldita correlação de forças na sociedade. O país dispõe atualmente de um instrumento legal competente para superar a questão fundiária urbana – o Estatuto da Cidade, lei federal que provê o poder público de mecanismos de intervenção sobre o território aptos a enfrentar as desigualdades em sua ocupação. Os planos diretores a que todas as prefeituras estão obrigados são a ferramenta da aplicação do Estatuto. Mas nada, ou quase nada acontece porque o poder executivo local, mesmo quando motivado para tanto, pode pouco diante da resistência oferecida pelas Câmaras de Vereadores, estas exageradamente sensíveis às pressões de quem detém o capital.
Só um movimento de âmbito nacional pela reforma, que venha do povo, inspire o governo federal e pressione os poderes executivo e legislativo locais pode resolver a parada. E esta é uma tarefa urgente de todos os que desejam uma cidade mais humana.
Um comentário:
Puxa Luciano, voce bem sabe que não dá para culpar sempre as camaras de vereadores! Nem preciso te lembrar que no Recife foi o poder executivo quem "desprezou" o Plano Diretor aprovado na conferencia na qual foram gastos muitos recursos da propria PCR para elaborar um documento participativo (como reza o Estatuto da Cidade). Não significa que era o melhor Plano para a cidade, mas certamente muito mais "legítimo" do que o enviado pelo executivo... que deve resultar numa "colcha de retalhos" muuuito confusa para a gestão urbana!
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