A verticalização das alianças e a realidade concreta
Luciano Siqueira
Publicado no Blog da Folha
Nem preciso recorrer à semiótica para defender a correspondência entre forma e conteúdo: no cotidiano de todos nós, consagra-se a inseparabilidade de ambas pelo reconhecimento da coerência.
Pura abstração? Nada disso. Política concreta, disso cuido nestas breves linhas, no que diz respeito à conformação das alianças partidárias tendo em vista o pleito municipal de 2012.
A questão é: partidos coligados em plano nacional, e mesmo estadual, em campos opostos, podem estabelecer alianças em âmbito municipal? A resposta esquemática é não. Mas a realidade concreta – essa teimosa senhora que atormenta a todos os que tentam enquadrá-la em rígidos modelos de análise – aponta para a resposta positiva. Pelo menos no Brasil, esse imenso país marcado por complexo desenho multicolor em suas grandes linhas e por enormes diferenças regionais.
É que a política é a expressão institucional da vida como ela é. Nas grandes cidades, nem tanto. Mas em grande parte dos mais de cinco mil e quinhentos municípios que compõem realidades locais, siglas partidárias não expressam rigidamenteo que representam nacionalmente.
Nesse sentido, o Brasil não é a Europa, onde os partidos representam segmentos sociais relativamente cristalizados. Aqui é necessário ir além das aparências, pois se estas fossem iguais à essência – dizia Karl Marx – não haveria necessidade da ciência.
E há até situações que intrigam. Por exemplo, nas duas primeiras tentativas de Lula chegar à presidência da República, a seção baiana do PSDB optou pelo apoio ao petista, repudiando as candidaturas de Mário Covas e de Fernando Henrique Cardoso. Não exatamente por razões programáticas, mas em função do desenho local do jogo de forças. Tucanos e pefelistas, então liderados pelo todo-poderoso ACM, não se bicavam.
Porém há também e, sobretudo, situações em que uma legenda perfilada no campo conservador em plano nacional representa precisamente o contrário no município. A forma, nesses casos, não corresponde ao conteúdo. Que fazer, então? Apegar-se à forma e desprezar o conteúdo, mesmo que isso signifique concertar alianças com legendas de aparência progressista, porém empalmada localmente por forças atrasadas ou de direita?
Não é exagero afirmar que a política municipal é furta-cor. E, portanto, que a tentativa de verticalizar de cima a baixo as alianças partidárias não é propriamente um gesto de coerência, antes traduz uma percepção mecanicista e esquemática da realidade. Em prejuízo de boas intenções.
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