04 julho 2013

Opinião sensata e instigante

Indignação, cooptação e diálogo
Caetano De’Carli, Estudante de Doutoramento em Pós-Colonialismos e Cidadania Global Centro de Estudos Sociais, Universidade de Coimbra

Segundo relatos de vários daqueles que foram às manifestações de quinta, há um descontentamento geral sobre o uso da violência contra manifestantes de esquerda e há uma tendência de se assumir pautas conservadoras, em detrimento de pautas progressistas. “A direita acordou”, disse um amigo, relatando espancamento contra quem tivesse bandeiras de partidos, bonés de movimentos sociais históricos enquanto, por outro lado, os cartazes de grupos a favor da criminalização do aborto e da lei do nascituro eram limpidamente intocáveis. Em São Paulo, há relatos de queima de bandeiras de esquerda em seguida de um “sieg hell”.

De forma geral, os grupos políticos tentaram participar das grandes manifestações convocadas nessa quinta feira. A esquerda e a direita foram como sempre. A esquerda, com suas camisas, militantes e bonés. A direita foi silenciosa, sem mostrar a cara, trajando a roupa do cidadão comum, usando seus tradicionais métodos de coerção e violência. A outra arma tradicional da direita, a mídia hegemônica, vem conseguindo pautar as manifestações evidenciando as pautas nas quais está de acordo, silenciando as pautas progressistas. Fica um alerta, a direita quer transformar as manifestações espontâneas de rua nas antigas marchas para Deus, Família e Propriedade. E isso não tem nada de “apartidário”. Por outro lado penso que a luta não está perdida. A maioria dos manifestantes não se enquadra num perfil de direita tradicional, pelo contrário. São realmente pessoas que estão na rua indignadas e estão articuladas através das redes sociais.

Na Espanha, certa vez, vi uma manifestação dos indignados e a atitude era a mesma, sem partidos, sem bandeiras. Entretanto não vi ninguém ser espancado, nem nenhuma bandeira ser queimada por isso. É o que difere a realidade espanhola, da brasileira. Não sei se essa realidade se aplica ao Brasil, e o que é o novo, num lugar, pode ressuscitar o velho no outro. Na Espanha não existe uma Globo, por exemplo, que num primeiro momento tratou os manifestantes como caso de polícia e no segundo momento, crente que podia manipulá-los, passou a defendê-los. Há algo de semelhante nos dois casos? Talvez. Há quem diga que os indignados deram à direita política as vitórias nas urnas ao se absterem de votar, causando prejuízos inestimáveis a uma base eleitoral que teria a tendência do voto nos partidos políticos de esquerda. O resultado disso foi que a situação social e econômica espanhola só fez piorar. Idem em Portugal.

Faço, entretanto uma ressalva que por mais que o PT não possa ser colocado no mesmo patamar político programático dos Partidos Socialistas Ibéricos (a esquerda que não é mais esquerda, apesar da cor de suas bandeiras), tem muita gente dentro do partido que vislumbra essa possibilidade, e com poder para transformar isso em realidade.

Mediante essa conjuntura, é importante enaltecer dois alertas: a) aos manifestantes de ontem que não possuem nenhum perfil da direita reacionária que vem tentando pautar esses movimentos: parabéns por irem às ruas de forma sincera e espontânea. Continuem indo às ruas. Mas tenham cuidado para não estar balançando uma bandeira ou vestindo a camisa da direita sem saber. Quantidade em política não é qualidade. E da próxima vez pode se ter algo de menor proporção, mas com mais qualidade política. Uma manifestação imprecisa dá margem para aproveitadores da direita organizada, que há tempos que não conseguem reunir mais de 30 pessoas na rua, a se vangloriarem de uma coisa que eles não realizaram; b) aos partidos de esquerda: a disputa não está perdida. É preciso, entretanto que se mudem os métodos de abordagem e se adicione outros métodos de trabalho de base. É impossível fechar os olhos à capacidade de mobilização que as redes sociais possuem. Além disso, alguns poucos vêm acusando todos os manifestantes que foram às ruas de membros da direita ou conservadores. Fazendo isso, só quem tem a ganhar é a direita organizada. Para se ter diálogo com essa geração, é preciso saber e querer dialogar, assumindo erros e se colocando a disposição de ouvir e ser ouvido.

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