JBS e a globalização da
Justiça americana
Joaquim Falcão, na Folha de S. Paulo
Para entender a delação
premiada da JBS é necessário compreender o que se passou ou ainda se passa
entre a companhia e as autoridades dos Estados Unidos.
Sendo a JBS um grupo
global, com cerca de 56 empresas nos Estados Unidos, dificilmente haveria
delação premiada aqui sem prévio ou potencial acordo lá, com as autoridades
americanas.
O cenário maior a ser
considerado é que a globalização econômica tem sido acompanhada por uma
globalização judicial. Ou seja, há expansão unilateral das leis e da
judicialização americana. Juízes e autoridades passam a ser globais.
Quem confere a eles
esse poder é a cooperação internacional entre autoridades e a múltipla legislação:
Anti-Corruption Act, Anti-Terrorism Act e tantas outras.
Através desta
judicialização, autoridades americanas interferiram na Suíça, via Fifa. Na
Argentina, via fundos abutres. No Brasil, via Embraer, que pagou, lá, mais de
US$ 200 milhões por corrupção praticada na República Dominicana, em Moçambique
e na Arábia Saudita.
Braskem e Odebrecht
também concordaram em pagar multas ao governo americano. A Petrobras, seus
conselheiros e diretores, deverão fazê-lo no momento adequado.
Para que tal jurisdição
ocorra, basta que se tenha conta bancária nos Estados Unidos. A JBS tem. Basta
que se tenha empresas nos Estados Unidos. A JBS tem. Basta que se tenha estado
presente no mercado de valores mobiliários. A JBS tem estado. Ou apenas ter
transacionado em dólar em qualquer país no mundo. A JBS fez isso.
Não é por menos,
inclusive, que os irmãos Batista, donos da JBS, escolheram um escritório de
advocacia, Baker e Mckenzie, de lá. E, de lá, gerem a negociação aqui no
Brasil.
Não é razoável esperar
que se desconheça, lá, a corrupção sistêmica daqui, que até as tribos da
Amazônia conhecem, como bem ressaltou o ministro do TSE Herman Benjamin. E que
se desconheça o amplo envolvimento da JBS.
O ponto crucial é o
desejo, necessidade mesmo, de os irmãos Batista pretenderem morar nos Estados
Unidos, com visto permanente de residentes. Logo depois da denúncia do
procurador-geral da república, Rodrigo Janot, a família embarcou para lá.
Antes, familiares, irmãos e sobrinhos, inclusive moradores de Goiânia, já
tinham ido.
Deve ter havido, ou
estar ainda em andamento, negociação com o governo americano para concretizar
essa pretensão. Provavelmente pelas pessoas físicas, os sócios.
No sistema legal dos
Estados Unidos, são múltiplas as maneiras de conseguir vistos ou algum tipo de
benefício em situações dessa natureza.
A delação premiada
precisa ser reconhecida por um juiz, mas pode se manter secreta se as partes
concordarem. Dificilmente saberemos. Informações estratégicas.
O DPA, que pode ser
traduzido como a Suspensão Condicional do Inquérito, permite multa, confissão,
delação e provas contra terceiros. O investigado não é fichado como criminoso e
obriga-se a delações futuras e a não reincidir no crime. Não há também
publicidade.
Direta ou
indiretamente, parece inevitável, o maior grupo empresarial do mundo em
proteína animal, através de seus controladores ou de suas empresas, deve estar
agora sob controle da expansionista jurisdição americana.
Seria esse o destino
dos campeões nacionais? Ao se tornarem campeões globais, transmudam-se em
campeões americanos?
Há muito ainda o que
revelar. Aqui e lá.
JOAQUIM FALCÃO, mestre em direito pela Universidade Harvard (EUA)
e doutor em educação pela Universidade de Genebra, é professor da Escola de
Direito do Rio da Fundação Getulio Vargas
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