20 novembro 2017

Competente e hábil

"Não se combate o crime com jargão de internet"
Folha de S. Paulo, 20.11.17
Confirmada oficialmente neste fim de semana como pré-candidata à Presidência, a deputada estadual Manuela D'Ávila (PC do B-RS), 36, elenca como um dos principais eixos de sua campanha a questão da violência.
Coincidência ou não, tema ligado ao concorrente que gravita no campo político oposto ao seu, Jair Bolsonaro (PSC-RJ). Ela diz que as propostas do rival se resumem a "jargões de internet". E defende a candidatura de Lula (PT).
Para Manuela, o juiz Sergio Moro o condenou sem "nenhuma prova". Ela lista ainda algumas de suas propostas na economia -elevação do investimento público e controle de juros e câmbio.
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Folha - O PC do B nunca teve candidato a presidente no atual período democrático, é o 14º partido na Câmara, governa apenas um Estado e terá tempo mínimo na TV. Acha que tem chance de vencer?
Manuela D'Ávila - Acho que sim, sobretudo em um momento de crise política e econômica tão aguda, o que pode fazer com que as pessoas escolham nossa candidatura.
Temos dois grandes centros. O primeiro é a retomada do crescimento econômico. O outro é a ideia da unidade. Vivemos um período em que a ideia de viver em paz é algo tão importante quanto o controle da inflação foi no início da década de 1990.
Não é só viver em segurança, é viver sem todos os tipos de violência, com qualidade na escola. É ter trabalho.
Em caso de vitória, o que faria de diferente em relação aos anos do PT?
O tema da indústria 4.0, por exemplo, é algo diferente. Podemos nesse novo ciclo pensar na indústria de uma outra forma, mais ousada. Tudo que junta emprego de mais qualidade, inovação.
Também trabalharia com mais centralidade o tema da violência urbana e a ideia de que é preciso garantir paz para as pessoas trabalharem, estudarem e pensarem suas vidas.
Participamos daquelas experiências, elas construíram muitas transformações no Brasil e a gente tem orgulho disso. Mas não existe como pensar repetir em 2019 algo que começou em 2002. Tivemos entre 2002 e 2019 dez anos de uma das maiores crises da economia no mundo.
Caso Lula seja condenado em segunda instância, a sra. defende que seja aberta uma exceção para que ele possa se candidatar?
Eu defendo que o presidente Lula receba o tratamento que defendo para todos os brasileiros. Que as pessoas só sejam condenadas quando provas forem apresentadas. Todo o processo de julgamento dele é construído com uma base não sólida. Não há nenhuma prova.
A sra. acha que a sentença do juiz Moro foi equivocada?
Não há provas. Não sei o que vai acontecer lá [na segunda instância] e não gostaria de comentar o futuro. O que acho é que a eleição sem o Lula seria um episódio de agravamento da crise política.
Descarta abandonar a sua candidatura para fazer uma aliança com o PT, como vice?
Não descarto absolutamente nada, em nenhuma dimensão da minha vida. Aprendi que precisamos estar abertos às possibilidades. Isso significa que minha candidatura não é para valer? Não. Minha candidatura foi construída porque acreditamos que temos saídas para o Brasil.
Aceitaria apoio dos que trabalharam pelo impeachment de Dilma?
Em 2018 é o momento de debatermos o futuro do Brasil. Meu partido tem muito claro que ocorreu um golpe em 2016. Não só pelo impeachment, mas porque o programa que venceu as eleições foi rasgado. Mas não podemos viver eternamente amarrados a 2016, o Brasil vive uma crise severa.
Embora diga não ter tratado diretamente com a sra., um dos delatores da Odebrecht diz ter repassado valores para campanhas suas, "de maneira oficial e não oficial". A sra. os solicitou?
Eu recebi oficialmente ajuda dessa empreiteira. Tem oficial e eu que pedi. Era a regra da eleição brasileira.
Ele pediu alguma forma de contrapartida?
Não, tanto que nem está no âmbito da Operação Lava Jato, está no Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul. Não teria o que pedir e não pediria.
Pretende ser a candidata antagonista a Jair Bolsonaro?
Todos os candidatos com propostas democráticas para o Brasil e saídas para a crise são antagônicos às candidaturas que não apresentam saídas para a crise. Existem pessoas que tentam aglutinar sentimentos que precisamos superar nas eleições, sobretudo medo e ódio. Fomentar medo e ódio no povo brasileiro não resolverá os problemas que vivemos. Acho que temos outras pautas para tratar no país diferentes das que ele [Bolsonaro] sugere. Eu quero debater segurança pública de verdade. Com reflexões sobre o papel dos policiais, como eles podem ser valorizados, como podemos devolver a legitimidade das polícias para o povo mais pobre, como podemos combater o extermínio de jovens negros. E a gente não vai fazer isso repetindo jargão de internet, né?
A sra. propõe referendos sobre a reforma trabalhista e a proposta que congelou os gastos federais. O Congresso não representou a vontade popular nesses casos?
São matérias relevantes para serem discutidas como foram, sem um mínimo pacto com a população. Não fizeram parte de nenhum programa de governo. Surgiram em um governo sem legitimidade.
Qual será a política econômica de um eventual governo do PC do B?
Queremos discutir juros, câmbio, planos de obras públicas. O Brasil tem a tradição de baixos investimentos privados. Então o investimento público, o Estado como indutor da economia, é algo que historicamente ocorreu nos nossos melhores ciclos econômicos. Juros mais baixos, uma espécie de câmbio controlado. Achamos hoje que os juros e os câmbios não servem ao interesse do povo brasileiro.
A sra. defende alguma mudança na legislação do aborto, trataria de homofobia?
Defendo que o aborto seja tratado como um problema de saúde pública, é a segunda causa de morte materna.
Sobre a homofobia, precisamos criminalizar aquilo que é crime. Mas não acredito que a mera criminalização resolva, precisamos implementar políticas públicas de transformação da cultura.
Mas haverá um embate com a bancada religiosa.
Não acho. Existem representações que são mais radicalizadas do que a base. Acho que o povo evangélico, povo cristão, minha origem é cristã, é um povo que acredita no amor ao próximo.
É o povo que tem como ensinamento máximo a ideia de Cristo com Maria Madalena. Cristo é o homem que acolheu Maria Madalena, o que impediu que as pedras fossem jogadas.
Que lições tira da Revolução Russa?
Como militante do PC do B, a principal lição é a ideia de que não existem modelos para serem seguidos de uma nação para outra.
A Revolução Russa marcou o século passado, é a revolução das artes, da psicologia, dos satélites, pôs
fim ao nazi-fascismo, os russos não jogaram a bomba atômica.
Stálin, os expurgos?
Eu acho sempre algo artificial debater um país sem debater o mundo. Debater o que foi o stalinismo é debater o que foi o nazismo, o que foram Hiroshima e Nagasaki.
Era um mundo de guerras, era um mundo de mortes. E é esse mundo que nós não queremos que volte.
Hoje só cinco países se declaram comunistas. A sra. se espelha em alguns deles?
Eu não me espelho, mas a China hoje é o motor da economia do mundo. Não é espelho, não é modelo, mas acho que temos sempre que buscar referências de transformações positivas.
Mas direitos humanos lá seriam uma referência?
Direitos humanos são um problema do mundo hoje. Como é que vive todo o Oriente Médio sobre as guerras? Como é que tratam os refugiados na Europa?

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