O Brasil é muito maior que o medo e o ódio, diz
Manuela D’Ávila
Mais votada nas eleições parlamentares que
disputou, deputada gaúcha afirma que candidatura ao Planalto pelo PCdoB busca
saída para a crise sem radicalismos.
Por Paula Sperb, revistaVeja
O ano de 2018 vai
ser decisivo tanto para o Brasil, que terá eleição após sucessivos escândalos
de corrupção de sua classe política, quanto para Manuela D´Ávila,
que anunciou que vai concorrer à Presidência da República pelo PCdoB após
ter sido a parlamentar mais votada pelos gaúchos em todas as eleições que
disputou – iniciou-se na carreira aos 23 anos. Agora, aos 36, ela deverá ser a
primeira do seu partido a pleitear o comando do país desde a redemocratização.
“O PCdoB tem 95 anos. A nossa história é a prova de que não lançamos
candidatura para causar”, disse em entrevista exclusiva a VEJA no seu gabinete
de deputada estadual, em Porto Alegre, em resposta a quem acha que o lançamento
de seu nome é apenas uma estratégia para marcar território – o PT, diz, pode
ser um aliado, mas apenas no segundo turno na eleição.
Formada em jornalismo pela Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), casada com o músico Duda
Leindecker e mãe de Laura, de 2 anos e três meses, Manuela se apresenta como
uma alternativa para o eleitor atingido pela crise econômica, mas não recorre a
discursos radicais. “O medo e o ódio não são propostas para sair da crise que o
Brasil vive”, disse, fazendo referência a um provável adversário na disputa, o
deputado federal Jair Bolsonaro
(PSC-RJ). Para ela, uma candidatura de extrema direita como a
dele serve para impulsionar uma alternativa de centro. “O Alckmin, por exemplo,
não é um candidato de centro, mas, diante do Bolsonaro, ele pode parecer”,
disse.
Em 2016, uma foto da senhora
amamentando a filha Laura na Assembleia repercutiu no Brasil inteiro. Por quê?
Decidi amamentá-la exclusivamente até
os 6 meses. Era um dia normal na Comissão de Direitos Humanos e ela começou a
chorar, chorar, e eu estava no meio da fala. Fiz o que todas as mães fazem:
resolvi o problema dela. Amamentar não era um ato político. A repercussão dessa
foto fez com que eu tivesse a dimensão de como o ato de amamentar é um tabu na
nossa sociedade, que objetifica o corpo das mulheres. Cumprir a orientação da
Organização Mundial de Saúde (OMS) é algo visto como um absurdo, um erro.
A senhora sempre atuou pelo direito das
mulheres. Depois do nascimento de Laura, a perspectiva mudou?
Eu consegui muito mais conectar o tema
da mulher com o tema do Brasil. Porque a maternidade torna muito visível o que
é um Estado não adequado às mulheres. O que representa um Estado pequeno e a
ausência de creches, de escola em turno integral, para uma mãe trabalhadora? O
Brasil é um país muito violento com as mulheres. Pautas como salário inferior
[ao dos homens] e assédio sempre fizeram parte da minha rotina de parlamentar.
Mas talvez eu tenha compreendido o peso da maternidade na situação que a mulher
vive no Brasil.
A primeira-dama, Marcela Temer, é
embaixadora do programa Criança Feliz. O que acha do programa? O papel da
mulher ainda é o de primeira-dama?
A ideia é boa, inspirada no Primeira
Infância Melhor [do Rio Grande do Sul], mas não existe investimento para ele, é
só uma jogada publicitária. Então, na realidade, dizer que vai investir nas
nossas crianças congelando o investimento em políticas sociais por vinte anos
[PEC dos Gastos] é uma falácia. Sobre ser primeira-dama, quando a gente debate
que “lugar da mulher é onde ela quiser”, é para fazer com que as mulheres
saibam que podem estar em qualquer lugar. Não é que não possam se sentir bem no
espaço de primeira-dama. É que queremos mostrar que podem estar em outros
espaços também.
Seu gabinete desenvolveu e distribuiu o
“machistômetro”, um termômetro que indica atitudes machistas e orienta
mulheres. Esperava os ataques que recebeu na internet?
A gente fez o machistômetro como apoio
para os debates sobre violência contra mulher. Ele era bastante simples, mas
acabou gerando muito impacto. Essa onda de ódio na internet acontece
sistematicamente, não só com o tema das mulheres. Existem candidaturas que têm
tentado organizar e potencializar o ódio e o medo.
Por que a senhora faz vários vídeos
para o Facebook respondendo a comentários nas redes sociais?
Há pessoas que não percebem como o ódio
é um instrumento político e pode sair das redes sociais para as ruas. Esses
vídeos são feitos com o esforço de mostrar que é possível construir diálogos e
soluções.
Essa onda de ódio na internet acontece
sistematicamente, não só com o tema das mulheres. Existem candidaturas que têm
tentado organizar e potencializar o ódio e o medo (…) Há pessoas que não
percebem como o ódio é um instrumento político e pode sair das redes sociais
para as ruas.
Quando anunciou a candidatura à
Presidência, a senhora disse que eleição é seu “elixir da juventude”. Por quê?
Quando me candidato, falam: “Ela é
muito nova”. Quando é que eu vou ficar velha? Este é meu quarto mandato e minha
sétima eleição, e continuo eternamente jovem. Por isso, a eleição é meu elixir,
nunca envelheço perante os olhos dos críticos. Fui eleita pela primeira vez
quando tinha 23 anos. Agora tenho 36. É praticamente a idade do presidente da
França [Emanuel Macron, 39 anos], basicamente a mesma idade do
primeiro-ministro do Canadá [Justin Trudeau, 45 anos], da prefeita de Roma
[Virginia Raggi, 39 anos].
Em 2011, a senhora presidia a Comissão
de Direitos Humanos da Câmara e pediu a saída de Bolsonaro do grupo. Em 2018,
vão disputar o mesmo cargo. Conhece bem seu adversário?
O Bolsonaro tem feito um esforço para
aglutinar o ódio e o medo. Quando falei [no anúncio de sua candidatura] que o
bom-senso da população é o principal adversário do Bolsonaro, é porque o medo e
o ódio não são propostas para sair da crise que o Brasil vive. Fui colega dele
por oito anos e sei que foi um parlamentar invisível. Ele não tem propostas
sequer para as áreas nas quais estimula o ódio. Qual é a proposta dele para a
segurança pública?
Quando me candidato, falam: ‘Ela é
muito nova’. Quando é que eu vou ficar velha? Este é meu quarto mandato e minha
sétima eleição, e continuo eternamente jovem. Por isso, a eleição é meu elixir,
nunca envelheço perante os olhos dos críticos.
Mas Bolsonaro é um risco?
Ele é usado como alternativa de extrema
direita para que que uma eventual candidatura de centro cresça, mas sem ser de
centro. O Alckmin, por exemplo, não é um candidato de centro, mas, diante do
Bolsonaro, ele pode parecer. Por isso precisamos debater ideias. Para que
aqueles que defendem o fim do Estado não se passem por alternativas centristas,
que não são.
Como a senhora se tornou candidata à
Presidência? É a primeira candidatura majoritária do PCdoB desde a
redemocratização.
No decorrer da construção do Congresso
Nacional do partido [marcado para 17 e 19 de novembro], avaliamos que a melhor
forma de apresentar as saídas que a gente interpreta como as melhores para a
crise do Brasil seria lançando essa pré-candidatura. Foi um processo de uns
seis meses da direção do partido comigo, de conversas, de diálogo.
A crise é grave, tanto econômica como
política. Quais são suas principais propostas?
O tema central é a política econômica,
retomar o crescimento. Politicamente, a candidatura defende uma frente ampla,
que é a ideia de reunir setores maiores da sociedade. Como a gente faz para o
Brasil entrar nesse período da revolução 4.0, da tecnologia, da quarta
Revolução Industrial? Precisamos entender qual é o papel do Estado na indução
desse crescimento. Precisamos saber qual é o Estado que servirá melhor o povo.
De forma mais eficiente? Claro. Mas o debate sobre o Estado não é uma mera discussão
sobre gestão. A gestão é fundamental, o Estado tem que funcionar, ser harmônico
e ter menos burocracia. Mas a gente não pode fazer com que esse debate pareça
que é o debate que vai resolver o problema da retomada do crescimento do
Brasil. A gente está discutindo emprego. Melhorar gestão não necessariamente
gera emprego.
Quais são as medidas efetivas para
melhorar esse desempenho da indústria nacional?
Vou dar um exemplo das medidas
[prejudiciais] do Temer, que é a alteração da TJLP (Taxa de Juros de Longo
Prazo) do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) [mudança
de taxa subsidiada para taxa de mercado]. Defendemos um referendo revogatório
da alteração porque sem a TJLP a gente jamais vai ter emprego de qualidade no
Brasil. Porque todos os países têm banco de desenvolvimento com taxa de juro de
longo prazo para favorecer a indústria própria e de inovação, que geram
empregos. A mesma coisa com os juros e câmbio. A economia brasileira tem que
estar a serviço do povo brasileiro. Como a gente tem taxas de juro tão altas se
elas não servem para a indústria nacional, para gerar competitividade? Como a
gente tem um câmbio que não serve para a indústria brasileira?
Há uma crise no Congresso, com parte
significativa dos deputados investigada. Se for eleita, como conseguirá
negociar com os parlamentares para ter governabilidade?
O Congresso também vai ser eleito em
2018. É preciso fazer esse debate com a sociedade: quais os compromissos dos
parlamentares que serão eleitos? Acredito muito no debate com a população e com
o Congresso. Cito o exemplo dos 10% do pré-sal para a educação. Era um grande
pacto para o futuro do país, que foi destruído agora. Mas naquela ocasião o
Congresso votou a favor por causa do debate popular. Acredito nessa equação.
A senhora já disputou eleições, como a
municipal em Porto Alegre, contra candidatos do PT. Como é ter o PT adversário?
Nunca tive o PT como adversário. Nossas
candidaturas sempre tentaram colocar os problemas das pessoas e da cidade no
centro. Isso faz com que você enxergue os outros partidos de uma forma
diferente. Tenho bastante tranquilidade com isso. Nós e o PT temos uma relação
fraterna, mas somos partidos diferentes. É natural que tenhamos candidaturas
diferentes e que nos encontremos, na frente, em eleições de dois turnos.
Gleisi Hoffman, presidente nacional do
PT, elogiou a senhora na semana passada, em Porto Alegre, mas disse que o
partido não desistiu de uma aliança com o PCdoB. A sua candidatura é só para
tentar ocupar o cargo de vice?
O PCdoB tem 95 anos. A nossa história é
a prova de que não lançamos candidatura para causar. Se fosse para causar,
poderíamos ter lançado candidatura em todas as eleições e depois retirado.
Lançamos a candidatura porque 2018 é o momento de discutir o futuro do Brasil,
e não o passado. A gente tem uma caracterização política muito firme. Em 2016
houve uma ruptura, um golpe parlamentar e, a partir disso, se abre um novo
ciclo. Temos uma interpretação muito parecida com a do PT sobre o passado. Mas
as saídas para a crise nós temos as nossas e eles têm as deles. Sim, a gente
acredita que vai se encontrar no futuro. Mas achamos que esse futuro é o
segundo turno das eleições.
Quando anunciou sua candidatura, a
senhora disse que a participação do ex-presidente Lula na eleição do ano que
vem é importante. Por quê?
Eleição é momento de superação da
crise, não de agravamento dela. Em uma eleição em que o Lula estivesse impedido
de concorrer, a crise estaria agravada.
Mas a senhora acha que o Lula não
cometeu crime, como aponta a Lava Jato?
Eu não sou juíza, mas, se ele cometeu
crimes, é preciso que haja provas. O Lula e qualquer brasileiro têm que ser
julgados pela lei, é isso que garante a democracia e a existência das nossas
instituições. Enquanto não apresentarem uma prova de que ele cometeu crime, ele
não cometeu crime. É assim com ele e deve ser assim como todos.
E o que pensa da Lava Jato e da atuação
do juiz Sergio Moro?
A operação surgiu com o bonito
interesse de combater a corrupção no Brasil, só que ela virou uma operação
absolutamente política. Basta ver o que acontece hoje em Brasília, os desfechos
e o entorno do presidente Temer.
Eleição é momento de superação da
crise, não de agravamento dela. Em uma eleição em que o Lula estivesse impedido
de concorrer, a crise estaria agravada.
No início deste ano, um delator,
Alexandrino Alencar, da Odebrecht, chegou a citar a senhora na Lava Jato. Como
foi sua reação? Isso avançou na Justiça?
Qualquer pessoa honesta se sentiria mal
de ser citada por alguém naquela circunstância. Inclusive, citada de forma
triangulada, não me menciona diretamente. O caso está fora da Lava Jato e está
no Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul, não avançou ainda. Foi
direto ao TRE por estar ligado à eleição, e não a outro tipo de crime. Ele me
mencionou de forma equivocada. Fala coisas que não são verdadeiras, como eu ter
recebido valor em caixa dois. Na verdade, eu recebi em caixa um, está
registrado. Todas as doações da minha campanha foram legais. A prova maior é
que ele diz que não se encontrou comigo. Qualquer pessoa honesta se sentiria
mal de ver seu nome [envolvido] porque é uma injustiça. Mas, o.k., a Justiça
vai comprovar isso.
A senhora é a favor da legalização das
drogas?
É preciso discutir o tema na
perspectiva proposta pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB),
unindo a sociedade para debater números, e não achismos. Quantos jovens morrem,
qual é a situação da segurança, qual o resultado concreto. Os números mostram
que a violência aumentou a partir de uma política de guerra às drogas. O Brasil
pode fazer esse debate, vinculando inclusive a tributação das drogas a
campanhas educativas de prevenção do consumo de todas as drogas. O Brasil
subestima o consumo de drogas lícitas.
Alguns grupos, como o MBL (Movimento Brasil
Livre) usam o termo “comunista” como xingamento. Por que isso acontece?
Por ignorância, por não saberem o que
representamos. Somos aqueles que defendem a ideia do comum, de que é possível
viver em uma sociedade com acesso ao básico.
Como seria uma Presidência comunista no
Brasil?
Nosso projeto é de desenvolvimento com
crescimento da economia a partir da indústria nacional, que significa emprego
de qualidade com direitos sociais. As pessoas olham para outros países e buscam
viver como as pessoas de lá vivem. Só que elas não enxergam que essa vida de
andar tranquilo na rua, de poder ter o filho matriculado em escola pública,
como é na Europa, tem por trás um projeto de país. “Quero viver como o inglês,
que tem transporte público, mas sou contra o Estado.” Não combina. É preciso
saber que aquilo existe a partir de um projeto de nação, que serve para
Inglaterra, Holanda ou França. Qual é o nosso projeto? O governo do PCdoB será
um governo amplo, que reúna setores, dialoga e constrói saídas que passam pela ideia
de que é possível fazer do Brasil um grande país. Acredito nisso. O Brasil é
muito maior do que o medo e o ódio que tentam plantar nos nossos corações.
Leia mais sobre temas da
atualidade: http://migre.me/kMGFD
Nenhum comentário:
Postar um comentário