09 julho 2018

Crônica da vida cotidiana


Intimidade com a dor
Luciano Siqueira

A capacidade de adaptação a situações incômodas, o ser humano tem sem limites.

Vivi isso na própria carne, quando preso político sob tortura, ao sentir que se alterou o limiar da dor em meu corpo quando submetido ao choque elétrico, ao espancamento e ao pau de arara.

Verdade que naquelas circunstâncias a gente está sob tensão extrema e espiritualmente motivada pela própria razão da luta, como acontece com todo combatente na trincheira.

Na vida cotidiana, "em tempo de paz", também.

Pergunto à amiga a quantas anda sua persistente dor de cabeça, típica da tensão emocional. 

— Parece que a dor foi embora.

— Então diminuiu a tensão...

— Sabe que não sei se ainda estou tensa, ou não? Realmente, não sei.

Só pode ter se adaptado, a ponto da percepção do incômodo se confundir com outras sensações que se sobrepõem em nosso espírito no correr dos dias, sobretudo para quem realiza intensa atividade no trabalho e na militância.

Tema para especialistas.

Não ouso opinar, pois nem médico me considero mais e bem sei que o progresso científico avança em tempo real, minuto a minuto.

Assim, quando você estiver em dúvida sobre a dor física ou emocional que lhe aflige, será porque ou ela se foi ou se tornou tão íntima que já não incomoda.

E vale tocar a vida adiante. Com o entusiasmo de sempre. 

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