Inteligência artificial
mais ou menos
Ronaldo Lemos, Folha de S. Paulo
Se você estiver com fome e for aluno da Universidade de Berkeley na Califórnia há
uma grande chance de seu pedido de delivery ser
entregue por um robô. A razão para isso é o serviço criado pela
empresa Kiwibot, uma startup colombiana que desenvolveu uma nova forma de
entregar comida. Você faz o pedido por meio do seu aplicativo favorito.
Só que a entrega não é feita por um entregador, mas por um
simpático robozinho chamado Kiwi. Ele é praticamente um caixote branquinho sobre
rodas, com um olho digital parecido com um emoji na frente.
Os Kiwis se deslocam pelo campus como que por mágica. Quando
chegam, só você com seu celular pode abrir o seu compartimento e então:
tchã-ran! A comida estará na sua mão, quentinha. A empresa afirma que o tempo
médio para uma entrega com esse sistema é de 27 minutos. A ideia deu tão certo
que os Kiwis estão se expandindo para outras 12 universidades nos EUA.
Só tem um problema: que tipo de inteligência
artificial fabulosa é essa que permite aos robozinhos navegarem
por terrenos complexos, atravessarem ruas e chegarem até o lugar onde o autor
do pedido se encontra? A resposta é frustrante e fascinante. Os robôs são
pilotados por seres humanos: funcionários da empresa localizados na Colômbia.
Usando câmera e GPS, os Kiwis transmitem imagens em tempo real para o operador
colombiano, que vai então navegando os caixotinhos.
A empresa até usa um sistema de inteligência artificial e quer
um dia transformar os robôs em autônomos de verdade. Mas a realidade é que por
traz dos Kiwis existem trabalhadores fora dos EUA, ganhando bem menos do que um
entregador de comida naquele país ganharia.
Os Kiwibots são um bom exemplo do que o economista Pascual
Restrepo (professor da Universidade de Boston e especialista em automação)
chama de “inteligência artificial mais ou menos”.
Atualmente, há um grande debate sobre os impactos sociais
da inteligência artificial, até mesmo do ponto de vista ético.
Pascual, no entanto, alerta para a possibilidade da inteligência artificial
acabar não sendo lá essas coisas.
Os processos de
automação começaram a acontecer, mas não por causa de tecnologias
incríveis que trazem ganhos enormes de eficiência e sim por causa de soluções
mequetrefes que eliminam o trabalho humano sem gerar qualquer crescimento pra
valer de produtividade ou eficiência.
Nas palavras de Restrepo: “Em uma era de automação rápida, a
importância relativa do trabalho irá se deteriorar especialmente se as novas
tecnologias que eliminarem empregos não elevarem a produtividade de forma
suficiente. Isso acontece quando essas novas tecnologias são apenas ‘mais ou
menos’, boas o suficiente para serem adotadas, mas não muito mais produtivas do
que o trabalho que
estão eliminando. Com esse tipo de automação mais ou menos, a
demanda pelo trabalho cairá, mas não haverá ganhos de produtividade efetivos
para compensar”.
Em outras palavras, quando se pensa nos desafios da inteligência
artificial, o perigo maior não é o surgimento de robôs futuristas
superinteligentes, mas sim o mundo ser tomado por robôs fulustrecos,
bangalafumengas, fubicas, beldroegas ou brochotes.
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