O acaso trocou de lado
Tostão, Folha de
S. Paulo
A primavera chegou, e os ipês estão lindos pelas ruas de Belo
Horizonte.
Grêmio e
Flamengo foi mais que um grande jogo. Foi um palco para
reflexões. Continuo o assunto, embora já tenha sido amplamente debatido e
comentado.
A superioridade do Flamengo no primeiro tempo foi enorme, o que
não tinha visto um time visitante fazer contra o Grêmio.
O Flamengo, compacto, com pouca distância entre o jogador mais
recuado e o mais adiantado, todos articulados, próximos, pressionava quem
estava com a bola e a recuperava com facilidade. O Grêmio não viu a bola.
O Flamengo, longe de ter a mesma qualidade individual, me
lembrou do Liverpool e
do Manchester City, times diferentes, que jogam o melhor futebol coletivo do
mundo e que têm em comum a recuperação rápida da bola.
Na segunda etapa, o Flamengo diminuiu a intensidade, e o Grêmio
melhorou. Faltou Maicon, que entrou na metade do segundo tempo e deu um passe
preciso para Everton cruzar e Pepê empatar.
Meio-campistas, como Maicon, articuladores, que têm ótimo passe
e domínio da bola, foram renegados por um longo tempo, porque não eram volantes
nem meias ofensivos. Isso tem mudado lentamente.
Nos últimos anos, surgiram ótimos meio-campistas, que continuam
sendo chamados de segundos volantes, como Arthur, Matheus Henrique, Bruno
Guimarães e outros. Gérson, que era um razoável ou um bom meia-atacante,
habilidoso, é hoje um excelente meio-campista. Sonho com um craque do nível De
Bruyne no futebol brasileiro.
Os milimétricos lances que têm decidido as partidas por meio do
VAR, em vez de tornar o futebol mais digital, matemático, como parecia,
aumentaram ainda mais a importância do imponderável, dos mínimos detalhes e do
acaso.
Por causa de um dedo do pé mais avançado, acontecem vitórias,
derrotas e criam-se novos conceitos e verdades. O VAR tornou
o acaso mais exato, científico. O acaso apenas trocou de lado.
Jorge Jesus e Renato Gaúcho foram tratados como as estrelas do
espetáculo.
Existe um fascínio pelos comandantes, especialmente se eles
forem vaidosos, exibicionistas e ainda ótimos treinadores.
Enquanto isso, continua a troca de
técnicos no Brasil. Terminei a coluna anterior com a pergunta sobre
quem iniciava a fritura dos técnicos, as redes sociais ou os programas esportivos.
Há exceções, como o Redação SporTV, comandado por Marcelo Barreto, que faz
questão de não iniciar essa discussão.
Muitas trocas de técnicos melhoram os resultados,
mas isso não é suficiente para fazer uma análise correta, já que o tempo do que
entrou costuma ser muito menor que o do que saiu. Além disso, se o técnico
demitido tivesse continuado, a equipe poderia melhorar ou piorar.
Entre as
inúmeras razões para a troca dos treinadores, uma das principais é,
paradoxalmente, a supervalorização dos técnicos. Há uma ilusão nas vitórias e
nas derrotas que tudo foi por causa do treinador e que um novo técnico tem a
chave e a magia para fazer o time vencer.
Os
treinadores reclamam da instabilidade do cargo com razão, mas parecem gostar
dessa situação. Apesar de, várias vezes, recorrerem à Justiça para receber o
que têm direito e de, com frequência, morar em cidades diferentes, o que
prejudica a vida familiar, eles recebem altíssimos salários e, quando
desempregados, sabem que, brevemente, surgirá um novo clube para contratá-los.
Tostão -
Cronista
esportivo, participou como jogador das Copas de 1966 e 1970. É formado em
medicina.
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