Federações Partidárias eleitorais como medida democrática
Walter Sorrentino*
Acabada uma
eleição, começa a se articular a seguinte, de 2022. Com isso cresceu o
interesse de pessoas progressistas sobre as consequências das barreiras
impostas à representação parlamentar dos partidos políticos, sob o argumento de
que são muitas as legendas no país e seria preciso “enxugá-las para formar maiorias
parlamentares sólidas”.
Uma é a
intitulada cláusula de desempenho, já inscrita na Constituição. A barreira
importava conquistar 1,5% dos votos válidos nacionais em 2018, e exigirá 2% em
2022, 2,5% em 2026 e 3% em 2030, na eleição a deputados federais. Sem isso, os
partidos permanecem, mas sem direito à representação parlamentar pelos
deputados que elegeu, sem tempo de TV, Fundo Partidário e Fundo de
Financiamento de Campanha.
A cláusula de
desempenho produz no tempo concentração de poucas legendas – mas por via de
restringir a representação política da sociedade. Atinge não só legendas
fisiológicas de ocasião, mas mesmo forças políticas estruturadas em base a um
ideário e programa. São poucas as “grandes” legendas que têm garantia de
superar a cláusula em todos os Estados necessários até 2030. Não há dúvida que
o prejuízo é maior para os partidos do campo popular e progressista.
Ficam ameaçadas legendas que são exemplos para o sistema partidário brasileiro
– como, entre outras, o PCdoB, o PV e a REDE, até mesmo o de partidos médios
desse campo.
A
disfuncionalidade real do sistema partidário no país exigiria uma reforma
política. Mas ela foi renitentemente evitada durante a Nova República,
inserindo-se apenas enxertos que restringem a própria representatividade
popular no parlamento e aprofundam distorções. Uma foi a PEC da referida
cláusula, outra foi a proibição de coligações para eleições a deputados e
vereadores. Hoje, as alianças só são permitidas para candidaturas a prefeitos,
governadores, senadores e presidentes da República.
Isso foi um
casuísmo, jabuti na árvore. É uma medida que, visando ao mesmo alvo já citado,
multiplica a dificuldade de superar a cláusula de desempenho para todos.
Na verdade,
atenta contra a norma democrática. Os partidos são entes para-estatais dotados
de completa autonomia política e organizativa, pela norma da Carta Magna e da
legislação partidária e eleitoral. Que sentido tem, então, proibi-los de
realizar alianças em eleições proporcionais? Nenhum argumento democrático
sustenta essa medida.
Essa vedação é
infraconstitucional e pode ser enfrentada de imediato pelo Congresso. Hoje, o
único caminho que restaria aos partidos que não ultrapassam a barreira é
fundir-se ou incorporar-se a outra legenda, portanto, nos termos da legislação
atual, extinguindo-se. Uma flexibilização das alianças consiste em
permitir que duas ou mais legendas já existentes e registradas possam se aliar
na forma de Federação partidária, com todos os direitos e obrigações de um partido
político, assegurando que isso tenha validade nacional e pelo prazo da
legislatura. Ao mesmo tempo, mantém a existência autônoma das organizações que
as integram. Quem deve superar as barreiras são as Federações. Será dela o
direito ao tempo de TV, Fundo Partidário e de campanha.
Não é o mesmo
que as coligações proporcionais ora proibidas, que se realizavam em diferentes
amplitudes, entre diferentes composições partidárias em cada um dos Estados.
Com as Federações reduz-se a fragmentação partidária, estendendo de modo
coerente as alianças majoritárias também ao terreno dos parlamentos.
São tipo de
alianças que não sobrecarregam o sistema legislativo e concentram os campos
político-partidários em disputa. Permitem convergências próprias da luta política
a cada situação. Quem quiser as faz, quem não, está no seu direito. De todo
modo, assegura a vontade popular que elege deputados e vereadores sempre que as
Federações superem a cláusula de desempenho.
É
inacreditável vedar isso no Brasil. Experiências de concertações políticas e
eleitorais fazem parte da história política antiga e recente. São concertações
políticas que se traduzem por acordos eleitorais. Por exemplo, no Uruguai,
constituiu-se o Frente Amplio; na África do Sul, o Congresso Nacional Africano:
ambos aglutinam diversas organizações políticas e sociais – garantidas
suas autonomias, mas numa única chapa. Nas eleições nos países europeus
se apresentam coligações eleitorais, agrupando várias legendas e, nas eleições
da União Europeia existe o Partido da Esquerda Europeia como legenda eleitoral,
integrada por diversos partidos autônomos. Em várias situações, as forças
envolvidas acordam entre si as listas de candidaturas pré-ordenada ou mesmo votar
nos candidatos mais fortes em cada situação e, quando necessário, os parceiros
se ajudam entre si para superar a cláusula de desempenho, como aconteceu no
México sob a coligação liderada por AMLO.
No Brasil, as
Federações seriam uma inovação bem vinda quanto às alianças eleitorais. Será o
caminho brasileiro para elas e para promover a união de forças dentro da
pluralidade da representação institucional.
As saídas ao
profundo desarranjo da nação brasileira são políticas. Não se pode amputar o
mais essencial da atividade política, que são as alianças eleitorais. Cabe ao
Congresso Nacional sanar esse défice democrático. O Brasil precisa de mais
democracia, não menos. As federações eleitorais vão ao encontro desse objetivo.
*Walter
Sorrentino, médico, é vice-presidente nacional do PCdoB
Nenhum comentário:
Postar um comentário