O que esperar do Brasil após o 7 de
Setembro?
Ao anunciar sua intenção de não
mais cumprir decisões do STF, o presidente Bolsonaro escala a crise
institucional e coloca a defesa da democracia na ordem do dia
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O 7 de Setembro galvanizou as
atenções do País, acelerando o processo político em direção a um horizonte
incerto. No lugar dos tradicionais desfiles militares em Brasília e outras
capitais, o cenário foi tomado tanto pelas manifestações orquestradas pelo presidente
Jair Bolsonaro quanto pelas convocadas pelas oposições. Em Brasília e na
Avenida Paulista, em São Paulo, o presidente Bolsonaro, após dois meses de
pregação preparatória dos eventos por todo o País, discursou para públicos
expressivos, mas bem menores do que o esperado pelos organizadores. Nem uma
palavra sobre os problemas reais que afligem o País, muito menos sobre como
resolvê-los.
Suas falas se concentraram em críticas ao uso das urnas eletrônicas nas
eleições, sistema recentemente confirmado e mantido por votação na Câmara dos
Deputados. E em ataques ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal
Federal, que comanda inquéritos que o envolvem e podem atingir filhos e
correligionários — e será presidente do Tribunal Superior Eleitoral nas
eleições de 2022.
Em meio ao seu discurso em São Paulo, Bolsonaro disse que não mais acatará qualquer decisão emanada do ministro Moraes, apontando para uma possível futura postura de desrespeito à Constituição.
As manifestações das oposições, também por todo o País, concentraram-se em fortes críticas a problemas como o desemprego, fome, inflação, que estão dificultando a vida das camadas mais pobres da população, e as confusões na campanha de vacinação contra a pandemia do coronavírus, que se desenvolve mais lentamente do que o necessário.
Os discursos de Bolsonaro já estão gerando repercussões e reações no mundo jurídico e político e na sociedade. Veja abaixo a opinião e a análise de especialistas da Universidade de São Paulo.
Renato Janine Ribeiro
Professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC)
“O presidente manteve seu discurso habitual, inclusive ameaçando o Judiciário […] Faltou a menção aos quase 600 mil brasileiros mortos por covid […] Faltou menção à crise econômica que estamos vivendo […]. Faltou uma menção à educação, ciência e pesquisa […]. Faltou preocupação com a vida das pessoas […]. É uma pena que o presidente não se preocupe com essas questões.”
José Álvaro Moisés
Professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP
“As manifestações se constituíram, de certo modo, num ato
de campanha eleitoral do presidente para concorrer à eleição – campanha fora de
tempo é crime, e isso é mais grave se envolve o uso de recursos públicos, como
parece ter ocorrido nesse caso […]. Mas o ponto mais controverso constitui o
fato de Bolsonaro ter dado elementos para a atualização das propostas do seu
próprio impeachment. Ao propor, em nome da Constituição, medidas que burlam a
autonomia e a independência de alguns dos Poderes republicanos mais
importantes, como é o caso do Supremo Tribunal Federal, o presidente pode ter
oferecido precisamente a base para a abertura de um processo de seu
impedimento.”
Simão Silber
Professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP
“Sem os discursos, a situação da economia brasileira já era
ruim […]. Com os dois discursos pregando rupturas com as instituições, trazendo
uma incerteza muito grande, mexeu com as expectativas dos agentes econômicos
[…]. O resultado veio hoje na abertura dos mercados, com a bolsa caindo mais
que 1% […] e uma pressão sobre o dólar que se desvalorizou e tem uma tendência
a se desvalorizar mais ainda […]. Foi um beijo na morte que estava faltando.”
Marcos Fava Neves
Professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto da USP
“Este 7 de Setembro me deixou com sensações mistas […]. As
manifestações foram muito bem organizadas, pacíficas, bonitas de se ver […]. As
pautas contra o ambiente democrático não têm o meu apoio, isso custa muito caro
para um país […]. Para a economia, esse ambiente belicista que o Brasil vive,
não bastasse a crise sanitária […] A crise da economia melhorou um pouco, mas
poderia estar mais forte [ainda mais com] a crise hídrica brutal no País […].
Para o ambiente econômico isso não é bom, o Brasil precisa passar por um
processo de pacificação.”
Rafael Mafei
Faculdade de Direito da USP
“As manifestações do 7 de Setembro de que o presidente
participou foram marcadas por pautas declaradamente antidemocráticas, a
principal das quais a retaliação e ameaça contra o Supremo Tribunal Federal, em
especial a dois de seus ministros […]. A Constituição é taxativa em dizer que o
Judiciário tem poder para rever atos da Presidência da República e de ministros
de Estado […]. Quando toma qualquer medida que porventura invalide uma política
do presidente, o Judiciário está cumprindo o seu papel de fazer com que a
Constituição seja observada […]. O presidente não tem o direito constitucional
de não ser contrariado por juízes […]. A Constituição e as leis estabelecem que
o presidente tem o dever de acatar decisões judiciais e tem o dever de não
ameaçar ou incitar a população.”
Maria Hermínia Tavares
Professora aposentada da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas e do Instituto de Relações Internacionais, ambos da USP
“As manifestações promovidas pelo presidente Jair Bolsonaro
ontem são mais um passo na escalada que ele tem promovido de ataque às
instituições brasileiras. Embora fale de liberdade, o presidente frequentemente
assedia jornalistas e ameaça opositores […], embora fale de democracia, o seu
entendimento é aquele sistema no qual as eleições entregam para quem teve a
maioria dos votos um mandato ilimitado […]. Isso não é democracia, é um
autoritarismo de base eleitoral […]. A democracia verdadeira é aquela na qual o
poder legítimo dos mandatários eleitos é limitado pelas leis e instituições do
sistema democrático […]. O presidente é um autoritário que foi eleito pela
regra democrática […]. Ontem, nas ruas, vimos a extensão e a limitação do seu
poder […]. Ele divide o País, um País que precisa estar unido.”
Deisy Ventura
Professora da Faculdade de Saúde Pública da USP
“O que estamos vendo acontecer no Brasil não é novidade nem
em relação ao que o presidente da República, que é um agitador extremista, vem
anunciando e prometendo […], mas também não é novidade histórica nenhuma […].
Os movimentos totalitaristas agem exatamente dessa forma […], muitas vezes
chegam ao poder pela via eleitoral, como no Brasil, e depois utilizam o
aparelho do Estado contra a população […]. Quem está hipnotizado por esse
movimento […] realmente não o vê como o perigo que é […]. Essa é a hora de
surgirem os estadistas […] esta é a hora de surgirem as lideranças sociais […].
Este é um momento de enorme gravidade que precisa ser tratado como tal.”
Do Jornal da USP
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Veja: Ele aumentou o tom das ameaças. E agora? https://bit.ly/3E1XhhF
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