18 outubro 2023

Literatura

Microcontos, criatividade e síntese de comunicação
Narrar uma história em tão pouco espaço deve contar com a cooperação do leitor, que necessita completar, com sua imaginação, os elementos sugestivos construídos pelo autor
Carlos Seabra/Vermelho

Dizer muito com poucas palavras sempre foi algo essencial para a comunicação, seja em palavras de ordem de movimentos políticos, em refrões de músicas, em propagandas marcantes. Vamos abordar aqui como isso pode ser usado de forma criativa para a comunicação nas redes sociais, onde narrativas simplórias usando da escatologia ao mais primário anticomunismo grassam e se multiplicam.

Trabalhar a criatividade mais literária, de contação de “causos” ou histórias de vida, é uma ótima estratégia para desenvolver habilidades de redação enxuta. E os microcontos são pequenas narrativas que devem caber em mensagens de redes sociais. Isto é, não devem ultrapassar 140 toques.

Narrar uma história em tão pouco espaço deve contar com a cooperação do leitor, que necessita completar, com sua imaginação, os elementos sugestivos construídos pelo autor.

A chamada “microliteratura” contém vários ingredientes do nosso tempo, a velocidade e a condensação, a possibilidade de publicação em celulares, redes sociais, painéis eletrônicos, camisetas, adesivos, cartazes, códigos QR etc.

Alguns escritores de reconhecido talento já brincaram nestas searas, como Jorge Luis Borges, Julio Cortázar, Millôr Fernandes, Dalton Trevisan e tantos outros, ainda que a maioria sem pensar no conceito de “microcontos”. Drummond já antecipava que “escrever é cortar palavras”, Hemingway sugeriu “corte todo o resto e fique no essencial” e João Cabral proclamou “enxugar até a morte”.

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Entre inúmeros conselhos sobre como dizer muito e escrever pouco, podemos destacar também Blaise Pascal “Se escrevi esta carta tão longa, foi por não ter tido tempo para fazê-la mais curta”, Isabel Allende “Usar o substantivo certo para evitar dois ou três adjetivos”, São Gregório de Nazianzo “Ser breve não é, como julgas, escrever poucas sílabas, mas dizer muito com poucas” e Thomas Jefferson “O mais valioso de todos os talentos é aquele de nunca usar duas palavras quando uma basta”.

De certa forma, o microconto tem uma outra dimensão: ele é como uma ligação muito forte através de um furinho de agulha no universo, algo que permite projetar uma imagem de uma realidade situada em outra dimensão. Como se através desse furo, dois cones se tocassem nas pontas, um cone menor, que é o que está escrito no microconto, outro cone maior, que é a imaginação a partir da leitura de cada um – pois mais do que contar uma história, um microconto sugere diversas, abrindo possibilidades para cada um completar as imagens, o roteiro, as alternativas de desdobramento.

Na educação, a produção de textos pode ser oportunidade de prazer e os microcontos são um bom exercício de criatividade, síntese e algo divertido de produzir. Todos conhecem as dificuldades que os estudantes costumam enfrentar quando são solicitados a escrever. Para incentivar a escrita, os microcontos possuem duas grandes virtudes: o limite de número de caracteres é um desafio que faz emergir muita criatividade e esse mesmo limite permite a produção de contos completos de forma quase que imediata. Contar pequenas histórias é um ato de redação que pode engajar os estudantes em atividades de escrita. A produção imediata de textos significativos proporciona aos alunos um sentimento de autoria que não é comum nas tarefas convencionais de redação.

Como micronarrativas de cunho político podem suscitar reflexão sobre determinados temas, alguns exemplos:

“Ele era inocente, mas só quando subornou o juiz é que foi absolvido no processo por corrupção.”

“O jornal estampava na manchete como a economia ia bem. Debaixo dele, o mendigo que abrigava dormia, agora despreocupado.”

“O torturador não conseguia dormir com os gritos e gemidos de suas vítimas, dubladas pelos pernilongos invisíveis que habitavam sua noite.”

Cada qual em sua trincheira https://bit.ly/3Ye45TD

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