A tornozeleira e a vida social
Os acusados pelo 8/1 têm todas as oportunidades para se defender; na ditadura, não tinha disso, não
Ruy Castro/Folha de S. Paulo
Os acusados pelo 8/1, respondendo no conforto do lar aos crimes que cometeram em Brasília, não estão satisfeitos com essa condição. E com razão. A tornozeleira eletrônica que são obrigados a usar restringe sua vida social. Dependendo da hora, impede-os de prestigiar rodeios, cultos evangélicos e shows de cantores sertanejos. Além disso, ela é difícil de acomodar dentro das botas de vaqueiro. E a proibição de se comunicarem com seus aliados golpistas é mais um suplício —se não puderem conversar com outros bolsonaristas, vão conversar com quem?
Daí, para muitos, só havia uma coisa a fazer: quebrar a tornozeleira —há vídeos no YouTube e no TikTok ensinando— e fugir, de preferência para a Argentina, cujo novo presidente é um libertário. Para evitar o controle de fronteiras, acharam rotas e transportes alternativos, como caminhões por estradas vicinais, travessia de rios em barcos clandestinos e até deslocamentos a pé por centenas de quilômetros. Tudo pela liberdade.
Foi o que declarou outro dia uma foragida já a salvo em Buenos Aires: "A gente não pode ter o pensamento contrário ao do governo que está no poder. Deixei tudo para trás e fui buscar minha liberdade", disse ela. E um advogado da Associação de Familiares e Vítimas do 8 de Janeiro —sim, existe, e funcionando legalmente— foi taxativo: "A liberdade é um direito assegurado em tratados internacionais e na Constituição". Significa que Drácula e Jack, o Estripador, se precisassem, viveriam aberta e livremente no Brasil.
Nos anos 1960 e 70, também não se podia pensar diferente do governo e muitos brasileiros tiveram de fugir para outros países. Não porque quisessem, mas era o único jeito de escapar da tortura nos cárceres e quartéis, às vezes só interrompida pelo "suicídio" ou por suas "fugas" e fuzilamento por "resistência à prisão".
Não tinha essa moleza de tornozeleira, não.
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