27 maio 2025

Palavra de poeta

O relógio
Joaquim Cardozo


Quem é que sobe as escadas
Batendo o liso degrau?
Marcando o surdo compasso
Com uma perna de pau?

Quem é que tosse baixinho
Na penumbra da antessala?
Por que resmunga sozinho?
Por que não cospe e não fala?

Por que dois vermes sombrios
Passando na face morta?
E o mesmo sopro contínuo
Na frincha daquela porta?

Da velha parede triste
No musgo roçar macio:
São horas leves e tenras
Nascendo do solo frio.

Um punhal feriu o espaço…
E o alvo sangue a gotejar,
Deste sangue os meus cabelos
Pela vida hão de sangrar.

Todos os grilos calaram
Só o silêncio assobia;
Parece que o tempo passa
Com sua capa vazia.

O tempo enfim cristaliza
Em dimensão natural;
Mas há demônios que arpejam
Na aresta do seu cristal.

No tempo pulverizado
Há cinza também da morte:
Estão serrando no escuro
As tábuas da minha sorte.

[Ilustração: Blecaute]

Retorno ao bate-papo à mesa? https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/05/minha-opiniao_18.html 

Nenhum comentário: