Super-ricos e aumento de sua tributação: questão de justiça social
No Brasil, quase metade da arrecadação de impostos vem da tributação do consumo, o que, proporcionalmente, afeta muito mais as classes assalariadas e subempregadas.
Abraham B. Sicsú/Vermelho
Leio no site Outras Palavras. Um artigo de Simon Kuper. Idéias que acho interessantes e repasso aprofundando tópicos. O tema é a compreensão da contribuição dos super-ricos para o desenvolvimento. Sua tributação e seu patrimônio são compatíveis?
Uma escola de pós-graduação fundada em 2006, a Escola de Economia de Paris. Faz estudos aprofundados sobre o tema. Criada por Esther Duflo, Prêmio Nobel de Economia em 2019, e o famoso economista Thomas Piketty. Dedica-se a entender como as desigualdades devem ser minoradas nas economias capitalistas. Não só entender, também propor alternativas.
Gabriel Zucman e sua equipe têm um objetivo bem definido. Compreender se a criação de impostos elevados para os mais abastados é possível e benéfica. Será que ela não pode levar a uma evasão desses privilegiados para países em que as taxas sejam mais convidativas?
Partem de uma constatação, evidente em todos os países capitalistas: “os super-ricos pagam menos impostos proporcionalmente ao seu patrimônio e renda do que as pessoas comuns.”
Analisando diferentes economias, mostram que não é fácil chegar à compreensão do que efetivamente os mais ricos realmente contribuem para o erário publico através de tributação.
Eles declaram “modestos” rendimentos, na medida em que seu patrimônio sempre se concentra numa muito expressiva carteira acionária, da qual não retiram os rendimentos, por não precisarem, que se avolumam, reaplicando os dividendos não tributáveis no crescimento de suas carteiras de ações. Isso só faz crescer seu patrimônio a taxas muito significativas.
Piketty e sua equipe criaram uma base estatística que pode ajudar na análise dessa realidade, a Base de Dados de Desigualdade Mundial- WID. Ela mostra grande concentração de renda em países como a África do Sul e mesmo o Brasil. Países em que o 1% mais rico chega a ter mais da metade da renda nacional.
Zucman, aluno de Piketty, prova, por exemplo, que, nos países que estudou, enquanto a alíquota média efetiva de imposto de renda era de mais de 30%, para os assalariados, a dos mais ricos ficava no entorno de 20%. Uma brutal desproporcionalidade e injustiça social.
No Brasil, mais alarmante, quase metade da arrecadação de impostos vem da tributação do consumo, o que, proporcionalmente, afeta muito mais as classes assalariadas e subempregadas que têm sua renda fortemente comprometida com este item. Bem diferente da dos super-ricos, os quais têm parcela bem reduzida nesse tópico de composição da alocação de sua renda.
Com esse quadro descrito, o artigo parte para analisar se a solução seria taxar as classes mais ricas. Reconhece a possibilidade de evasão de capitais para outros países ou paraísos fiscais, além de ter consciência de artimanhas fiscais que podem ser realizadas em detrimento da tributação normatizada, mas insistem, no que são plenamente coerentes, na justiça social que daí pode advir.
A proposta é de que deveria ser instituída uma taxação anual de 2% sobre a riqueza desses super-ricos. Descontando o que já pagam, seria cobrado o restante, em geral, valor bem significativo. Uma taxa de caráter internacional, o que evitaria o desvio advindo de guerra fiscal entre países para atração de capitais.
Há uma visão internacionalista. Para evitar evasão de investimentos, propõe-se, também, que esse tributo possa ser cobrado em qualquer país que o afortunado bilionário tiver investimentos, mesmo que não seja o país sede de sua fortuna, além de uma taxa adicional bastante elevada para a saída de capitais, em qualquer forma imaginada ou mecanismo idealizado.
Mais, para evitar a instabilidade e “passeio” dos capitais, uma taxa alta seria cobrada para saída de capitais especulativos dos países potencialmente afetados. Isso visa evitar a excessiva flutuação na esfera produtiva e incentivaria o replicar de recursos na área da produção.
Alertam que como a valorização do patrimônio dos mais abastados tem ficado sempre perto dos 7% ao ano, a taxa de 2% seria modesta e conservadora, podendo ter como resultado, inclusive, um crescimento da participação na renda dos poucos que podem se enquadrar nessa categoria de biliardários.
Evidentemente, teria que ser definido o que é ser super rico. Eles propõem que só pagariam este imposto aqueles que tivessem um crescimento do patrimônio acima de 5 milhões de euros por ano, nível bastante alto.
No Brasil, o Ministério da Fazenda tem proposto uma taxação extra para todos aqueles que tiverem uma renda média acima de 1 milhão de reais por ano, o que é bem razoável. Também, propõe, para evitar distorções daqueles que apenas entesouram os rendimentos, voltar a ter uma taxação dos dividendos que forem distribuídos por ações.
Não está no artigo, mas me atrevo a fazer algumas especulações tendo por base um relatório da OXFAM – Oxford Committee for Famine Relief.
Os 1% mais ricos do mundo detém aproximadamente 45% da riqueza global. Em uma década acumularam, apenas com o rendimento de seus investimentos e aplicações, cerca de 34 trilhões de dólares. Pegando apenas os quatro maiores , Elon Musk, Larry Ellison, Mark Zeckerberg e Jeff Bezos, em 2025, eles têm patrimônio acima de um trilhão e duzentos bilhões de dólares, quantia inimaginável. Ou seja, a riqueza está altamente concentrada nas mãos de cerca de 70 milhões de habitantes ricos, nem todos super, num mundo de mais de 8 bilhões de indivíduos.
Lembrando que cerca de 4 bilhões de pessoas vivem com renda inferior a 10 dólares por dia, esses recursos gerados e concentrados nas mãos dos super-ricos, se passassem para um Fundo Mundial, um percentual pequeno da arrecadação adicional prevista, poderiam resolver os problemas de fome e exclusão de quase a totalidade dos marginalizados. Dariam dignidade de vida para toda a humanidade.
Se fosse criado esse Fundo, com esses recursos adicionais gerados com a taxação anual de parcela não excessiva do concentrado na mão dos super-ricos, ter-se-ia um mundo menos cruel para um grande contingente de pessoas que vivem como párias na nossa sociedade.
Extinguir a fome e a miséria e evitar as barreiras discriminatórias de populações afetadas, o objetivo, um Fundo com Gestão e Controle de entidade supranacional, voltando a dar significado à existência de uma estrutura como as Nações Unidas, por exemplo, hoje totalmente desacreditada. Seria a principal meta para os próximos anos, um planeta com respeito à dignidade humana.
Em sínteses, fundamental taxar os super-ricos, ter a noção de que há um problema mundial a ser resolvido, de que essa taxação deve ser gerenciada em prol dos mais desfavorecidos da humanidade, de que temos condições concretas de resolver a fome e a exclusão humana em escala mundial, deveriam ser objetivos a serem assumidos e realmente implantados por uma entidade supranacional a ser melhor estruturada.
Sonho de um mundo em que a fraternidade seria o motivo principal das políticas públicas, não os interesses mesquinhos e individuais daqueles que por ganância apenas entesouram. Pode ser até que os super-ricos consigam mais paz de espírito e apaziguem suas mentes. Será?
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A cantilena dos juros
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